O filme que assistimos...

Você encontrará neste espaço comentários e analises de filmes de todas as épocas. Uma excelente oportunidade para aprender além do cinema.

Patricio Miguel Trujillo Ortega


30 de março de 2011

Fucking Ǻmål

Fucking Ǻmål. 1999. Drama-Romance. 86 minutos. Suécia-Dinamarca.

Com Alexandra Dahlström, Rebecca Liljeberg.

Dirección de Lukas Moodysson.

Fucking Ǻmål é uma história de amores e de frustrações. É um drama com final feliz.

Fucking Ǻmål é um filme que no ano da sua estréia foi o de maior bilheteria na história da Suécia, junto com Titanic. É uma história ótima, bem feita, com atores não profissionais e vamos tentar conversar sobre ele desde quatro pontos: o nome, as personagens, a história e seus significados. São quatro elementos que não podemos separar deste drama feliz. Na época, devido a parte da sua temática, foi uma novidade pois muitos filmes com uma temática similar, na maioria das vezes, tratavam o assunto de forma simplesmente trágica, com personagens estereotipados demais.

O nome Fucking Ǻmål diz muito. Ǻmål é uma cidade no interior da Suécia onde as pessoas vivem um mundo de tédio. Ainda que não há muitas tomadas da cidade, esta está presente como uma personagem que condiciona o comportamento da maioria das outras personagens. Os jovens estão cansados de morar na cidade, mas ao mesmo tempo, não vêem uma escapatória para ir a novas fronteiras e, ainda que não queiram, parece que estão condenados a continuar aí.

Agnes e Elim


Por isso, mais uma vez a crítica negativa à tradução do nome no Brasil. Aqui decidiram que se chame Amigas no Colégio. Este é um nome que assassina o filme. Tira a sua essência, a sua personalidade porque não se trata de amigas que estão no colégio onde vão conversar, brigar, namorar, fazer festas e todos os estereótipos, na maioria de vezes, ridículos e absurdamente exagerados nos filmes americanos. O Filme, além de tratar do amor de Agnes por Elim, trata da angústia e chatice de morar na cidade mais pacata do mundo, segundo suas personagens.

No cartaz publicitário do filme há quatro frases que dão força ao nome original: “Nunca mais sairei com um homem. Ficarei solteira”; “Por que temos que morar neste fodida Ǻmål?”; “Você sabia que as pessoas falam de você?”; “Prefiro desfrutar agora que dentro de 25 anos”. Com o título em português se condiciona a uma história que não existe e parece que tudo fica na superficialidade. O problema da tradução é que não souberam se enfrentar com o termo em inglês “Fucking”.

Mas este drama existencial “moralista” da tradução não é privilégio no Brasil. Na Argentina e outros países da América foi traduzido por um nome mais absurdo ainda: Descubriendo el amor. Um nome onde o tempo não existe, onde as personagens parecem não ter um espaço. Onde o público acredita que vai assistir a mais uma história boba de amor.

Agnes
Fucking Ǻmål é a história de Agnes, uma garota que vai fazer dezesseis anos e que mora na cidade Ǻmål, uma cidade pequena e a mais chata do mundo segundo a visão dos jovens. Ela, junto com a sua família, se mudou há mais de um ano a cidade e não tem amigos. Ela é tímida e na escola é desprezada por seus colegas. Ela, aparentemente, agüenta as piadas e os deboches dos seus colegas porque tem certeza do que ela "é" e esse segredo seu só é compartilhado com o seu computador onde guarda seus sonhos e esperanças.

A vida de Agnes não é fácil porque ela é fechada e não se relaciona bem com seus pais, a pesar de que estes tentam de todas as formas conversar e ajudar a filha. O pai se preocupa com ela e trata de lhe oferecer compreensão. Parece sensível e consegue reagir bem ante a crises que vive a filha. A mãe faz tudo o possível para que a filha saia de seu cascarão e que tenha amigas, mas não é fácil para ela vencer seus preconceitos ao descobrir o que acontece de verdade com Agnes.

O filme começa com os preparativos para a festa de aniversário de Agnes. Ela não quer a festa, mas os pais insistem e acaba aceitando entregar os convites aos seus colegas da escola sabendo que ninguém irá a sua casa, mas ainda porque essa mesma noite há outra festa aonde irão os jovens da cidade.

Neste ponto já sabemos que Agnes não é uma garota popular na escola. Mas ela não está preocupada em “ser popular”. Este conceito de “ser popular” é muito trabalhado nos filmes dos Estados Unidos quase sempre que se trata de uma história com adolescentes como se fosse o eixo da vida de uma pessoa. E isto é um mérito do filme Fucking Ǻmål: não perde tempo discutindo um conceito que só atrapalha e traz infelicidade para muita gente porque os pontos centrais dos jovens são outros.

A festa
É deprimente a cena na sala da casa de Agnes. A família está reunida esperando que alguém chame à porta. Parece que o tempo caminha muito devagar, como acontece com o tempo dos jovens de Ǻmål. A vida está parada; é como se não houvesse opções na vida e se quiserem alguma coisa especial a mais, terão que ir embora de Ǻmål, caso contrário ficarão aí para ter filhos e repetir um mesmo processo de tédio, sem nenhum objetivo a mais na vida.

Mas a festa de Agnes toma um rumo inesperado ao chegar na casa dela uma colega que também não é aceita na escola porque usa cadeira de rodas. O fato de serem rejeitadas as duas no colégio não cria nelas um elo. Tanto é assim, que Agnes acaba agredindo verbalmente a colega e zoando do presente que ela trouxe. Até entre os mais fracos, o mais forte tenta se vingar das suas frustrações, da sua solidão e a empatia que em algum momento apareceu entre elas desaparece. É como se dissessem: “que bom que ela sofra mais que eu”. A colega vai embora e Agnes fica no seu quarto até que chega outra colega, o que é uma grande surpresa para ela.

Elim e a sua irmã Jessica são duas garotas que moram com a mãe que está a maior parte do tempo trabalhando e quando está em casa, gosta de assistir programas de concurso na televisão. Essa é a vida da mãe. É como se não tivesse outras aspirações na vida. É o modelo que as filhas não querem para elas, mas será que conseguirão mudar o rumo?

Como Elim não quer se encontrar com Johan, que está apaixonado por ela, convence a irmã para irem na festa de Agnes. Johan, como Markus, o namorado de Jessica, e os outros rapazes do filme e, portanto da cidade, é um adolescente possessivo, machista, ciumento que se preocupa mais com a sua moto e seu celular que com as pessoas e com ele mesmo.
Um beijo por 20 koroas

E como é Elim? Ela tem 14 anos e carrega uma fama nada fácil. Preocupa-se com sua beleza física e é uma garota extrovertida e muito popular. É desinibida e bonita. Ele sabe que tem poder sobre os homens e gosta de usar seu poder. Pensa que será miss Suécia e sabe ser arrogante. Além disso, a fama disse que ela já esteve com quase todos os rapazes da escola, ainda que a verdade seja outra.

Ao chegarem à festa de Agnes, entram no quarto dela e ficam rindo da garota. Como estão aí só para fugir do tédio, entra em jogo a crueldade dos adolescentes. Jessica promete pagar 20 koroas para irmã se ela beijar Elim, pois na escola falam que Agnes é homossexual. Elim aceita o desafio e beija a força Elim. Logo saem as duas irmãs as gargalhadas, falando no nojo que foi, sem se importarem com os sentimentos de Agnes.

O tédio nos jovenes em Amal
Até esse momento, o filme nos mostra a vida despreocupada que levam os jovens na cidade de Ǻmål. É uma juventude como qualquer outra em qualquer cidade. Os adolescentes estão experimentado o caminho que querem tomar na vida e, o que é lamentável, parece que não há quem consiga orientá-los, talvez porque os pais não tem tempo ou simplesmente, porque é uma fase da vida em que os jovens acham que são adultos. Neste sentido, Fucking Ǻmål apresenta jovens como são na realidade. Não há comportamentos exagerados ou estereotipados como acontece em muitos filmes onde os jovens vivem loucuras inventadas mais para o cinema que para o comportamento habitual.

As cenas com os jovens fumando, bebendo, paquerando, se divertindo mostra o processo de auto-afirmação que é a característica dos adolescentes só que, no caso deles, há um peso a mais: o tédio. Seus rostos parecem cansandos, apenas como se só estivessem suportando tudo até chegar outro momento.

Agnes e seu sofrimento
Depois que Agnes foi humilhada por Elim, ela se fecha no banheiro e começa a se ferir fisicamente. Não sei se há uma tentativa de suicídio ou simplesmente é presa por esse comportamento doentio que afeta a muitas pessoas quando tem a necessidade de se punir pelas dores que não suportam. Inclino-me a pensar que as feridas que Agnes se provoca são um esforço de encaminhar a sua dor, a sua raiva, a sua frustração, pois o beijo, que ela tanto queria, foi mais que uma violência física.

Agnes está apaixonada por Elim e ainda que os tempos tenham mudado o comportamento das pessoas e que alguns conceitos da sociedade tenham melhorado, não é fácil para uma pessoa e, mais ainda para um adolescente, reconhecer publicamente a sua sexualidade diferente das “normas estabelecidas”, pois isto gera piadas de mau gosto, atitudes agressivas de parte das pessoas preconceituosas e medrosas de seus próprios fantasmas. E também não podemos esquecer que os pais não são, na maioria das vezes, as pessoas mais abertas para compreender que seu filho é o que ele é (e que ninguém tem que se meter com isso, depois de tudo, quem anda por aí criticando o comportamento heterossexual de um heterossexual? Então, por que tem que se preocupar as pessoas em falar da sexualidade de um homossexual? Não é da conta de ninguém). Mas Agnes não tem como direcionar seu sofrimento. Está sozinha apesar de que os pais fazem um esforço para tentar se comunicar com ela.

Indo para Estocolmo
Depois de ter ido embora, Elim percebe o erro da sua ação e, pela primeira vez, não está preocupada em ser a garota de que todos falam. Ela está arrependida do que fez e volta para casa de Agnes. É a oportunidade que as duas tem para se conhecerem e darem os primeiros passos de uma amizade. Elim convece Agnes de que a acompanhe a outra festa, mas no meio do caminho, entre conversas das frustrações e as ambições, ambas decidem ir para Estocolmo naquele furor típico dos adolescentes, sem perceberem dos perigos que significa sair de noite, sozinhas, pela estrada, pedindo carona. É a idéia de que com a paixão pode se fazer o que se deseja realmente. Quando finalmente o motorista de um carro lhes oferece carona, o veículo não funciona. Enquanto o condutor revisa o que acontece, Elim e Agnes, sentadas na parte de trás, se olham e sentem um impulso de paixão, até esse momento desconhecido por Elim e desejado faz muito tempo por Agnes, e acabam se beijando euforicamente e com prazer.

Agnes finalmente está com a pessoa que ama. E para Elim se abre um novo mundo de possibilidades até esse momento impensável. No caso da Elim não é o desejo sexual que leva beijar Agnes e sim a possibilidade de encontrar um amor. Isso faz dela lésbica? Pode gostar de outra garota? Poderá suportar o que isso significa dentro do círculo da escola e do seu relacionamento com a sua irmã, com quem tem uma relação de amor-ódio permanente? Ela, a garota mais popular que ainda é virgem embora todos falem que já teve relações com quase todos os rapazes, está preparada para aceitar o que lhe aconteceu?
Elim está preparada para aceitar?

Elim, então, decide ignorar por completo a Agnes e faz justamente o que não queria porque necessita fugir da sua tormenta interior: começa a sair com Johan e tem sua primeira relação sexual que não a deixou satisfeita para nada. Todavia percebe a imaturidade do namorado e esse relacionamento começa a atormenta-la porque não pode fugir definitivamente do que ela já sente por Agnes, que a sua vez se sente novamente humilhada. É como se Elim houvesse feito dela um brinquedo por uma noite. Na escola já sabem todos a história do beijo pelas 20 koroas e isso gera as atitudes agressivas e desagradáveis dos seus colegas, como quando uns garotos mostram para ela fotografias de mulheres nuas e perguntam de qual gosta mais. O próprio irmão coloca a Agnes em cheque-mate frente aos seus pais ao perguntar inocentemente em casa o quê significa “lésbica”. Um duro golpe para mãe ao descobrir o que é a sua filha.

Mas, Elim não pode fugir permanentemente. A força que se desatou dentro dela não permite mais continuar com Johan e finalmente tem que tomar uma atitude. E essa atitude transforma a última cena do filme numa cena maravilhosa, linda, que dá vontade de bater palmas e de nos aproximar das duas garotas para parabeniza-las e dar todo o apoio que elas merecem.

Fucking Ǻmål é um ótimo filme que incomoda a pessoas preconceituosas que ficam “assustadas” com as descobertas e aceitações das duas garotas; mas, o filme não é só isso. O diretor soube apresentar com diálogos precisos e tomadas exatas esse mundo que envolve aos jovens sem perspectivas, que vivem a vida por vivê-la ainda que queiram viver de outro jeito. O filme não é crítico e deixa que o espectador tome a sua decisão em todos os pontos delicados que apresenta: a família, os amigos, os namorados, as namoradas, os pais, o futuro, a relação lésbica. Esta, principalmente, não é questionada. Ao contrário, apresenta o lesbianismo de uma forma neutra, sem apologias nem condenações. Ela está aí e é tão conflitiva quanto a relação heterossexual no mundo dos adolescentes.

Não podemos terminar de falar sem mencionar duas linhas sobre a trilha sonora. Ela é outra personagem do filme porque acompanha os diversos estados de ânimo que vivem as personagens. Muitas vezes a música complementa a narrativa.

Fucking Ǻmål ganhou o prêmio Teddy no Festival de Cinema de Berlim em 1999 e recebeu vários prêmios da Academia Sueca de Cinema. Também foi nomeado para Melhor Filme Europeu (1999).

Texto original de Patricio M. Trujillo Otega.

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