Tulitikkutehtaan Tyttö – A Garota da Fábrica de Caixas de Fósforos, 1990. Finlândia, Drama. 72 minutos.
Com Kati Outinen, Elina Salo, Esko Nikarri.
Direção: Aki Kauriusmaki.
Direção: Aki Kauriusmaki.
A Garota da Fábrica de Caixas de Fósforos é um filme belo -com uma técnica cinematográfica perfeita-, profundo e assustador.
Kauriusmaki apresenta uma visão trágica –e realista?- da solidão que envolve as pessoas que estão rodeadas de gente e de família, mas o silêncio é tão profundo que a vida pode se arrastrar até perder o sentido próprio da vida e de se mesmo.
É um filme que nos choca pelo drama existencial do homem contemporâneo; um drama que nos leva por caminhos onde tentamos encontrar uma saída sem saber que a falta de esperança pode nos desviar a um abandono total.
A garota da fábrica de Caixas de Fósforos |
A primeira cena do filme é uma frase extraída do livro A Condessa Angélica, que já é o preâmbulo do fim: “Provavelmente morreram de frio e de fome no meio da floreta”. Parece que desde o começo nos querem dizer que não há mais esperança para alguns.
O filme começa mostrando o processo de fabricação de fósforos. Durante três minutos escutamos os barulhos das máquinas e vemos cada uma das etapas da fabricação de fósforos até o momento em que uma mulher supervisiona que as caixas de fósforos estejam certas. A moça é jovem, branca, loira, de rosto fino e inexpressivo.
Terminado o trabalho, a moça volta para casa de ônibus, lendo um livro. Ao chegar em casa, o pai dela está escrevendo alguma coisa, a mãe está fumando e a moça começa a preparar a mesa e a comida.
Tudo isto acontece no mais profundo silêncio. Até esse momento, o espectador escutou só os barulhos da fábrica de fósforos, das ruas e dos ônibus. E esta é uma das características do filme: a ausência total de uma trilha sonora. A falta de música tem um propósito: quer nos fazer partícipes do mundo que rodea a garota: o silêncio.
A solidão na família |
O silêncio que isola as pessoas na sociedade. A falta de uma comunicação real e profunda. Somos capazes de realizar todas as nossas tarefas perfeitamente, de estar sentados na mesa com outras pessoas e olhá-las e respirar junto elas o mesmo ambiente, porém na mais profunda solidão e, todavia, sem abandonar –ainda- os sonhos.
Deste jeito, acompanhamos os passos da garota que, depois de comer, se arruma para ir a um baile que acontece em um salão onde a maior parte do público são homens e mulheres maiores. Enquanto as pessoas dançam, se escuta uma canção que fala de um amor impossível e a garota permanece sentada, inexpressiva, esperando que alguém a tire para dançar. Algo que não acontece.
As músicas e canções que ouvimos durante o filme formam parte da história. Através das letras das canções conhecemos os sentimentos -que as pessoas não conseguem expressar-, sonhos e angústias da garota. Em cada um dos momentos em que a garota –que até este momento não sabemos ainda seu nome- precisa se expressar, ouvimos uma canção.
A garota fica esperando no baile |
A jovem volta para sua casa e deita na cama. A câmera fica parada e faz uma tomada demorada do rosto da garota.
Esta é outra das técnicas que utiliza Kauriusmaki neste filme. Há muitas tomadas demoradas magistralmente. Quando a lente da câmera fica parada durante muito tempo em uma imagem, no maior profundo silêncio, parece que sentimos cada um dos pensamentos da personagem. A imagem parada fala a gritos o que as pessoas querem dizer, mas não tem coragem de fazê-lo.
A garota levanta logo da cama e vai para um restaurante onde pede uma cerveja. É o primeiro diálogo em treze minutos de filme. (Para quem não está acostumado a assistir filmes sem muitos diálogos, vale a pena dizer que a falta de diálogo não faz do longa-metragem uma produção maçante. Ao contrário, a velocidade e a precisão de cada cena mantém ao expectador atento a cada detalhe que forma parte da história). Enquanto a garota toma a sua cerveja, fica lendo um livro e ouvindo uma música de fundo, uma música do famoso grupo dos anos sessenta The Shadowns.
Iris e o vestido e a esperança |
O filme continua mostrando a rotina da garota na casa e no trabalho, onde tudo acontece no mais estrito silêncio até o momento em que ela recebe seu pagamento. De volta para casa, fica parada frente à vitrine de uma loja e compra um vestido. Ao chegar a casa, esconde o vestido e deixa na mesa o que sobrou do seu salário. Quando seus pais comprovam que falta dinheiro, ela é obrigada a mostrar o vestido que comprou; então, o pai bate nela no rosto e a insulta (segunda fala no filme todo) e a mãe disse que devolva o vestido (terceira fala no filme).
Durante dezoito minutos temos presenciado a vida vazia da garota da fábrica de fósforos; uma vida insípida e sem sentido que leva no trabalho, na casa, sem amigos. Com os pais ela não tem nenhum tipo de relacionamento. Parece que ela só existe para levar dinheiro para casa enquanto eles passam o dia fumando, assistindo televisão e deixando que o tempo os leve. Mas, a garota quer algo mais e não devolve o vestido. Pelo contrário, sai da casa e em um banheiro público troca de roupa e com o seu vestido novo vai para uma discoteca. O público é jovem e ela está como sempre: séria, tímida, inexpressiva, até o momento em que um homem se aproxima e dança com ela, que apoia sua cabeça no ombro do homem. A câmera os enfoca com lentidão, capturando o primeiro momento de felicidade da garota.
Pareceria que tudo vai mudar para ela.
Pareceria que tudo vai mudar para ela |
Ao dia seguinte, a garota acorda na casa do homem com quem dançou. Ele já foi embora e deixou uma nota de 1.000 markos para ela. A garota pega o dinheiro e escreve um bilhete para o homem e só nesse momento sabemos seu nome dela: Iris.
O fato de que o filme A Garota da Fábrica de Caixas de Fósforos nos apresente o nome da protagonista só vinte e dois minutos depois de ter começado a história é muito significativa. É nesse momento que ela é feliz pela primeira vez. É como se sua vida começasse a ter um sentido. Até então, ela não era mais que um ser anônimo, como os milhares que caminham pelas ruas das grandes e pequenas cidades, perdidos nas suas dores –e hoje, perdidos nos labirintos virtuais-. Até então, o nome poderia ser qualquer e não teria sentido nenhum para ninguém. Mas, agora Iris existe. Ela está feliz: sorri pela primeira vez no trabalho e espera com paciência que o homem telefone para ela. Um telefonema que não acontece...
Sozinha. Sempre sozinha |
Porém, a esperança não desaparece por completo. Ela vai para casa do homem porque o quer encontrar. Ela acha que ele sente por ela o que ela sente por ele. É a ilusão ingénua das pessoas emocionalmente carentes que se agarram com força de qualquer lugar para não naufragar, ainda que no mais íntimo de si saibam que o madeiro não os suportará por muito mais tempo.
Iris não consegue falar com o homem e vai para um restaurante onde escutamos um fundo musical muito significativo. A canção disse: “Querida, sua presença é a coisa mais importante para mim / aos outros meninos você parece uma menina impossível / mas embora você não seja exatamente a menina ideal / tem algo querida”. É muito apropriada a letra da canção para retratar os sentimentos de Iris. Ela sabe dos seus problemas, mas ainda espera que alguém possa gostar dela e por isso chora, finalmente, no cinema, aonde foi depois do restaurante.
Enquanto isso, a mãe parece se sentir culpada e deixou na mesa da cozinha um presente para Iris: um livro. Um livro que ela guarda mecanicamente na estante aonde vão se acumulando outros livros.
Iris insiste em procurar o homem e este marca um encontro com ela na casa dela. A cena é demorada e angustiante. O pai, a mãe, Iris e o homem estão juntos na casa, mas ninguém fala. Todos se sentem incômodos até quando finalmente Iris e o homem vão para um restaurante. O que parecia ser um final feliz para os sonhos de Iris, se transforma em um pesadelo: o homem rejeita Iris. Lhe disse que não há nada entre eles e exige que ela va embora, porque não há nada nela que o emocione.
A situação difícil de Iris se complica ao saber que está grávida. Compartilha a notícia com uma colega de trabalho, que lhe disse um simples “é mesmo” antes de ir embora.
Definitivamente Iris está sozinha.
A vingança |
Mas, Iris acha que o filho pode ser bom para ela e para o homem. Já não quer nem o amor nem o dinheiro dele, mas tem certeza de que o filho pode lhe dar alegria. O homem, ao contrário, ao saber da gravidez lhe da dinheiro para que faça um aborto. Iris volta decepcionada e ao ser atropelada na rua (num jogo muito interessante de imagens onde se misturam barulhos), perde o filho. No hospital, o pai a visita para expulsá-la da casa.
Se antes Iris já estava sozinha, agora está mais sozinha ainda. Além disso, se sente traída, abandonada e um desejo de vingança nasce dentro dela. Quer se vingar de todos aqueles que a rejeitam, que a maltrataram. Ela sabe que já não tem nada na vida. Perdeu totalmente a esperança; e se vingará sem nenhum tipo de arrependimento para continuar vivendo a mesma vida vazia.
A Garota da Fábrica de Caixas de Fósforos é um filme muito sério e graças ao excelente domínio das técnicas narrativas e cinematográficas do seu diretor, transforma este pesadelo do homem contemporâneo numa obra de alta qualidade que nos faz refletir do que está ao nosso redor e, as vezes, não queremos ver.
Iris perdeu totalmente a esperança |
O filme ganhou o Prêmio OCIC no Festival de Berlim em 1990; ganhou também o prêmio de Melhor Filme no Fórum de Cinema Festival de Berlim em 1990 e foi indicado para melhor filme do ano no European Film Award em 1990 e já saiu no Brasil em dvd com áudio original e legendas em português.
Texto original de Patricio M Trujillo O.
Oi ...seus comentários me ajudaram a compreender melhor o filme. Comente sobre o final por favor
ResponderExcluir