Com: Paul Jones, Robert Llody, Tom Kempinski.
Direção: Peter Sykes.
Música: Pink Floyd, The Crazy World of Arthur Brown.
O Comitê é um filme que não perdeu atualidade e, segundo a publicidade na hora da sua venda em dvd no Brasil, foi divulgado como um dos filmes mais misteriosos dos anos sessenta, porque foi considerado perdido e, segundo alguns historiadores (não sei quais), duvidavam da sua existência; porém, como não sei se isso é verdade (se você pesquisar na internet não vai encontrar quase nada sobre filme), não vamos ficar repetindo esse comentário, porque O Comitê é um filme muito mais transcendental que essas palavras “misteriosas” da distribuidora do filme.
Este filme, considerado “cult”, é uma alegoria da sociedade ocidental dos anos sessenta, que questiona o “indivíduo”, a “liberdade”, o próprio poder do estado. O protagonista da história, quase no fim do filme, entre outras falas, disse: “Nós nos guiamos para um lugar, mas não consigo ver para onde”.
O Comitê foi feito no ano que é considerado como “o ano que mudou o mundo”: 1968. E não é mera coincidência. Em apenas 55 minutos somos testemunhas do espírito de uma época com um pitada psicodélica e outra surrealista: a liberdade do ser humano.
E tudo isto é acompanhado com uma trilha sonora original de Pink Floyd e a presença de The Crazy World of Arthur Brown.
O jovem e a vítima |
Além disso, é um filme que merece ser visto também pela sua fotografia em preto e branco. Um trabalho magnífico de Ian Wilson que, junto com o diretor, consegue fazer um filme dinâmico apesar da profundidade do tema tratado nele.
O Comitê pode ser divido em quatro partes.
O filme começa com um texto extenso do economista europeu Joseph Schumpter, que serve como introdução e explicação da história. Deste texto, podemos destacar como o eixo do filme a primeira e última parte do discurso: “O que mais me toca e para mim parece ser o núcleo do problema, é que o senso de realidade tenha se perdido por completo...”
Esta frase, desde a perspectiva dos anos sessenta, é a chave das transformações sociais que viveu o mundo; e, visto desde a nossa atual perspectiva, percebemos que ainda tem vigência. Até que ponto nossa atual sociedade, tecnológica e poderosa, não está perdendo o senso da realidade?
O discurso de Schumpeter termina assim: “...Ele é membro de um comitê incontrolável, comitê de toda nação e por isso ele se esforça bem menos em um problema político do que um jogo de bridge”.
Os problemas estão por aí, e o que fazemos com eles? A vida continua como se fala no final do filme: “Em uma sociedade sensata não haveria criminosos, e um crime faria da sociedade irracional e tudo voltaria ao começo”.
A segunda parte de O Comitê é a mais interessante e rara ao mesmo tempo. Nos doze primeiros minutos da história assistimos a um evento aparentemente absurdo.
Por uma estrada, um carro de marca Mercedes Benz, é dirigido por um homem que está dando carona a um rapaz. O homem não para de falar e embora faça muitas perguntas ao carona, ele não escuta as respostas e permanece falando sozinho o tempo todo. Percebemos desde o primeiro momento a presença de um conflito: um indivíduo que não ouve aos outros. (Um indivíduo simplesmente ou ele representa uma sociedade que não se permite ouvir-se e ouvir aos outros?) Por sua vez, o carona se limita a responder com um simples “sim” ou permanece em silêncio.
Belo trabalho fotográfico de Ian Wilson |
A ironia desta situação é que o motorista é quem faz as perguntas para o carona, mas não espera pelas respostas; ao mesmo tempo, o motorista afirma que gosta de dar carona pela companhia, porque gosta de ouvir o que eles têm a dizer.
Num momento dado, o motorista para o carro porque acha que há um problema com o motor. Ele não deixa de falar enquanto tira as ferramentas e conserta o carro. O jovem carona caminha perto de carro, se distancia e depois de ter meditado por um momento, durante o qual o motorista não deixou de falar, se aproxima devagar e decepa a cabeça do motorista. Depois de caminhar pelo bosque com a cabeça nas mãos, e de ter meditado, volta para o carro e costura a cabeça no corpo do homem.
O motorista recupera a vida, só que já não é mais o mesmo homem falador do começo. O jovem carona diz que não quer mais a carona e pode ir embora.
Nesta primeira parte o trabalho fotográfico é admirável. A conversa entre a vítima e o jovem é apresentada pela lateral, do lado do carona, com as duas personagens vistas de perfil. A posição da câmera não é a toa: o primeiro plano é o do carona e percebemos através de seu rosto a situação incômoda em que se encontra com o motorista que não deixa de falar.
A câmera acompanha, desde um ângulo superior, o movimento do veículo quando estaciona no meio do bosque. Oferece-se a público o cenário onde acontecerá o fato insólito. É uma imagem muito bonita.
A cena do crime é uma sequência de imagens belas. Durante a morte do motorista, a câmera fica fixa vários segundos nas mãos desesperadas da vítima que tenta sair do capô. A posição da câmera, no chão, é perfeita para mostrar ao jovem que está no meio do bosque contemplando a cabeça da vítima e meditando. Quando o jovem levanta os olhos, a câmera se transforma nos olhos do jovem e vemos e ouvimos desde a perspectiva dele.
Também é de destaque o momento em que o jovem volta com a cabeça para o carro. Acompanhamos a cena desde um ângulo inferior os pés do jovem que caminha com a cabeça da vítima; depois a câmera permanece de frente ao carro e podemos contemplar parte do capô, as pernas da vítima e a porta aberta do carro.
De forma geral, podemos falar que a fotografia é muito boa e que os detalhes de cada tomada ajudam muito na construção da história..
O terceiro momento do filme começa com a música de Pink Floyd. Enquanto ouvimos a melodia, há uma série de imagens rápidas da sede onde funciona a estrutura do poder, dos organizadores dos comitês. Salas de reunião, salas de aula, corredores, computadores em funcionamento, etc. Nesse primeiro momento é como que se estivesse processando a informação do que acontece na sociedade.
Ficamos sabendo, então, que nos próximos dias serão iniciados cinco novos comitês e a explicação do que estes são é feita através de uma entrevista na televisão, enquanto o jovem da primeira parte do filme está no seu apartamento se arrumando para ir ao trabalho. O principal trecho desta entrevista diz:
“Não podemos nunca passar uma imagem negativa dos comitês. Todos sabem que estar bem é a principal condição. Para a sociedade e suas criaturas é necessário um grande acordo onde não haja dúvidas. Sendo que as próprias pessoas são os monstros da sociedade. Basicamente a humanidade é constituída pela sociedade e os seus desejos. Ela possuiu uma ideia do óbvio já que a sociedade não provê os meios que permitam às pessoas terem uma visão diferente. Se isso acontecer, é necessário que haja mudanças nessa sociedade já que não se deseja a troca de uma sociedade por outra nem arcar com o investimento em novas sociedades”.
Mas, para quê mesmo serve um comitê?
É uma pergunta que não chega a ser esclarecida totalmente. Quando o jovem informa ao seu chefe, no trabalho, que recebeu uma carta para participar de um comitê, este fala que os comitês são fundamentais porque eles mantêm o sistema funcionando e que algumas pessoas acabam mudando, e que essa mudança pode ser significativa; porém, ele conta que já formou parte de um comitê de oito pessoas e que seu trabalho foi decidir dentre cinco laranjas qual era a mais redonda.
O jovem está preocupado com a sua ida ao comitê e parece suspeitar que isto é por causa dele.
Até esse momento, o filme não foi localizado em nenhum lugar geográfico específico nem se menciona formalmente de que tipo de sociedade se está participando. As tomadas do filme se limitaram até esse momento: a estrada e o bosque onde foi cometido o assassinato; os corredores, as salas dos organizadores dos comitês; o departamento do jovem e o lugar do trabalho. Tudo isso, então, parece nos dar a ideia de uma sociedade totalitária, ainda mais quando o chefe do jovem diz-lhe que não se pode questionar àquelas pessoas (se referindo aos membros dos comitês).
O jovem fica sorrindo do comportamento da mulher |
A única tomada externa durante o filme, até esse momento, é quando o jovem vai do seu apartamento ao trabalho. Ele caminha pela rua e ao atravessá-la no semáforo, percebe que a roupa de uma mulher está do lado de fora do carro. Ele faz sinais do que acontece;a mulher abre a porta, chateada, recolhe sua roupa, fecha a porta e vai embora, sem agradecer. O jovem fica sorrindo do comportamento da mulher enquanto o carro vai embora.
Por que esse comportamento? Que tipo de sociedade é? Será que já todos sabem o que ele fez? E o que foi que ele fez mesmo?
Parece que todos sabem o que ele fez e o comitê está reunido para resolver a situação. Só que, quem é o comitê realmente?
Para quê mesmo serve um comitê? |
É o que tentamos entender na última parte do filme que começa com a chegada dos convocados para serem parte do comitê. São muitos jovens e adultos de diversas idades; durante alguns minutos, presenciamos a chegada deles na recepção e as diferentes atividades de lazer a que se dedicam: caminhar, ler, jogar bridge, jogar xadrez, nadar, conversar. Mas, o jovem está preocupado. Ele já está seguro que todos estão aí pelo que ele fez.
Escutamos falas dispersas de algumas pessoas. Uns comentam o bom que seria ficar aí, sem fazer nada, durante um mês; depois de tudo estão em uma casa de campo, grande, luxuosa, com todas as comodidades. Outros comentam que acham que nada vai acabar bem (para o jovem).
The Crazy World of Arthur Brown |
Destas atividades dispersas, a que é uma verdadeira antologia, é a apresentação de The Crazy World of Arthur Brown que faz seu número musical com uma coroa de fogo na cabeça.
Os últimos quinze minutos do filme é uma conversação do jovem com o diretor do comitê. Fala-se do individuo, da liberdade, do ato de decidir, de julgar aos outros.
Apesar de ser uma conversão profunda, os quinze minutos são rápidos devido a que durante esse tempo o diretor e o jovem caminham e a câmera muda constantemente de lugar, o que faz que a cena seja rápida, atrativa e intrigante ao mesmo tempo, pois a lente encontra sempre um ângulo que, de uma forma ou outra, interage com o que estão falando as personagens.
Das falas deles, queremos fazer referência principalmente a preocupação que parece ter o jovem e que o diretor resume numa frase: “Parece que você espera que eu o julgue”. O jovem parece querer desafiar: “Eu mesmo me julgo”, diz. Mas o diretor tem a resposta final: “Você pode se julgar, mas eu imponho o julgamento que eu quiser. Se você tiver uma opinião, é porque eu deixei que a tivesse”.
Uma sociedade totalitária onde as pessoas, sem saberem, caminham por onde outros querem que caminhemos?
O diretor do comitê e o jovem |
Por que o jovem decepou a cabeça da vítima? Ele fala: “Não havia nada naquele carro. Nada. Só papo furado. É justo dizer que um homem assim não pensa. Ele não sente”.
O poder de decidir em nome de quem? De qual ponto de vista?
O jovem confessa: “Nós nos guiamos para um lugar, mas não consigo ver para onde”.
O comitê está ali pelo jovem; mas, o comitê é a autoridade? O diretor fala da autoridade: “O que eu gosto da autoridade, é a falsidade. E o que eu gosto da rejeição da autoridade, também é a falsidade”.
Sintetizando: O Comitê é um filme abstrato sobre a liberdade do indivíduo. A proposta é interessante, ainda que não concordemos plenamente como todo o filosofar apresentado; mas, vale afirmar que a forma em que foi realizado para a sua época é admirável. Como foi falado, a fotografia é ótima e a banda sonora, é um tesouro musical.
Texto original de Patricio M. Trujillo O.
Proibida a reprodução total o parcial do texto sem a autorização escrita do autor.
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