Barbie em Vida de Sereia é um filme bonito, com uma trilha sonora agradável, uma coreografia contagiante, dinâmica e uma história que, além de ser bem trabalhada e contar com os elementos mágicos do mundo infantil, toca num tema profundo no difícil período que é a transição das jovens entre a puberdade e a adolescência, e a adolescência e a vida adulta. (Falamos no feminino porque estamos quase certos que, lamentavelmente, a maioria do público do filme é feminina. O que é uma pena, porque a magia, os sonhos e as aventuras não distinguem o sexo).
Merliah é uma garota que mora com o avô em Malibu e é campeã de surf. Ela tem duas amigas e está satisfeita com o seu estilo de vida: praia, sol e surf. Seu desejo é que a vida continue do mesmo jeito, sem mudanças, pois ela é feliz como tudo o que acontece ao seu redor e o maior desafio que ela tem é vencer as ondas grandes e perigosas. Para ela nada é melhor que demonstrar a suas amigas, e para ela mesma, do que é capaz de fazer.
Mas, um dia enquanto faz suas ótimas manobras na água durante uma competição a cor do seu cabelo muda radicalmente, aparecendo mechas de cor rosa. Todos ficam admirados do que acontece e Merliah se assusta e, principalmente, não gosta da mudança e se joga na água para que não possam vê-la, pois não quer parecer estranha perante os olhos de ninguém.
As amigas de Merliah |
Apesar de contar com o apoio das suas amigas, uma prática e outra sonhadora, Merliah volta para casa e não sabe o que fazer. Acha que tudo é uma loucura e se desespera ao perceber que sua vida pode tomar rumos imprevisíveis. Ela não quer ser diferente dos outros jovens, as suas amigas. Ela não que ser “estranha”; ela ama seu mundo e está satisfeita com ele por isso se assusta muito ao entender que o “seu mundo” pode entrar em crise.
Por que ser diferente dos outros?
Este dilema é profundo nas pessoas e, mais ainda, em uma sociedade em que parece que a maioria se conforma em ser o que os outros são, porque depois de tudo é muito mais fácil ser como os outros são do que ser diferente e impor a sua diferença como a sua essência. E para o adolescente isso é aterrador porque, se bem ele quer marcar a sua “diferença”, não gosta de ser distinto dos outros membros da sua “tribo”.
Quem gosta de ser diferente da sua "tribo"? |
Barbie em Vida de Sereia apresenta este dilema com magia, uma forma simples e antiga e, ao mesmo tempo, ideal para resolver os problemas que somente o jovem pode resolver, pois ninguém pode fazê-lo por ele.
Merliah conta a seu avô o que lhe aconteceu e se pergunta “se está ficando loca”, pois além da mudança do seu cabelo, ela conversou com um golfinho. Seu avô lhe conta a sua verdadeira origem: a mãe dela é uma sereia e se separou da sua filha porque era perigosa para a bebé ficar em Oceana.
Por que ser diferente dos outros? |
Esta revelação lhe provoca rebeldia e uma grande decepção. Ela não compreende que, as vezes, certos segredos só podem ser revelados na hora certa. Merliah, então, procura a companhia das suas melhores amigas para desabafar e, enquanto está na praia, descobre que é verdade o que seu avô falou e que ela tem que tomar uma grande decisão: a rainha de Oceana, a sua mãe, está desaparecida há muito tempo e Oceana está sendo governada com crueldade e injustiça pela tia de Merliah, e somente ela, Merliah, poderá salvar o reino de Oceana.
Merliah, no primeiro momento, se nega a aceitar a verdade porque ela já tinha delineado seu destino: ser a melhor surfista de Malibu. E a transformação que está sofrendo, quer dizer, o aparecimento de um lado seu que desconhecida (ser sereia), se interpõe nos seus sonhos. Por tanto, ela não quer saber nada nem de Oceana nem da sua suposta mãe “imaginária”.
É a rebeldia natural quando temos que nos enfrentar ao desconhecido; esse medo que provoca a ruptura com aquilo que nos ata.
Merliah rompe, então, o colar que a sua mãe tinha deixado para ela quando pequena; ao fazer isto, descobre que a sua mãe está viva, ainda que desaparecida, e aceita a missão que seu novo amigo, o golfinho Zuma, pede para ela: encontrar a rainha, único jeito de salvar o reino de Oceana. Mas, Merliah só aceita a missão para que depois a sua mãe a ajude a voltar a sua vida normal, longe desse mundo das sereias. Ela quer voltar para fazer como se nada disso tivesse acontecido.
Merliah inicia então uma aventura incrível no fundo do mar (um mundo parecido com o que ela conhece na superfície: shoopings, modas, música, famosos –emfim, o mundo que envolve aos jovens de hoje-[sem questionar se está certo ou não]). Ela fica emocionada com a beleza desse lugar e impressionada com a maldade da sua tia. Porém, ela insiste em que não quer ser a princesa de Oceana. Seu único desejo é terminar logo com a sua missão para voltar ao seu mundo.
Mas, como nada é possível fazer sozinho, Merliah recebe a ajuda de novas amigas e juntas enfrentam os desafios que ela tem que cumprir para derrotar a sua tia malvada. Para isso, ela precisa de três elementos; sem eles, a sua missão fracassará. Porém, ela continua com o mesmo pensamento e volta perguntar se “será normal outra vez”. E a resposta que recebe é que “vai ter conseguir o que ela está buscando”
E o quê é que busca um jovem?
A resposta não é gratuita e Merliah descobre isso, porque apesar de contar com a ajuda das suas novas amigas, e de conseguir os três elementos, tem que se enfrentar com ela mesma, com seus medos, com a suas limitações; deve aprender a usar a sua imaginação, a sua criatividade e tomar as decisões certas. Mas, o fundamental é que deve descobrir o que há de bom no seu mundo e o que há de bom no novo mundo: só usando estes elementos ela conseguirá realmente o que ela precisa fazer para ser o que ela quer ser.
Um elemento simbólico na história é que Merliah utiliza uma cauda falsa de sereia. Com esta cauda, ela finge ser uma sereia enquanto tenta cumprir com o destino que ela não aceita, mesmo que ao outros acreditem nela. E no enfrentamento final com a sua tia, ela perde a cauda falsa e é pega pelo poder da sua tia. Então, Merliah tem que fazer a escolha certa: não pode fingir mais o que não é.
Ao estar presa no poder da sua tia, Merliah pede ajuda ao “peixe sonhador” (um dos três elementos), e este lhe oferece cumprir com seu maior desejo: pode voltar nesse mesmo instante a Malibu, perder a sua metade sereia e ser novamente a garota comum que sempre foi e viver a vida como se nada disso tivesse acontecido.
O desejo de fazer isso é grande, não obstante ela sabe que ainda que voltasse para a superfície, Oceana continuará tendo os mesmos problemas, só que ela não terá que se preocupar mais com isso, pois seus sonhos estão longe daí. Ela sabe que não pode ser egoísta; não pode fingir que nada acontece se sabe que todos em Oceana estarão sofrendo. Por tanto, Merliah aceita a sua metade sereia e com o poder do “peixe sonhador” ela se transforma: tem finalmente a sua própria cauda de sereia e o poder necessário para derrotar o mal que domina o reino de Oceana.
Esta dualidade que vive Merliah é trabalhada no filme sem moralismos nem discursos exagerados. A linguagem é direta; ninguém mente nem tenta conseguir a ajuda dela através da manipulação nem por meio duvidosos, porque quando isso acontece com os jovens, eles se revelam ao se sentirem enganados.
Cada uma das decisões tem que ser tomadas por ela, por mais ninguém.
Ao final, Merliah descobre que o mais importante na vida é que ela só tem que ser ela mesma. Ele pertence a dois mundos: o dos humanos, onde vive e viverá como sempre quis; e o mundo de Oceana, aonde ela poderá ir sempre que quiser porque a sua parte sereia nunca desaparecerá.
O fundamental é que ela não negue o que ela é. É o único caminho para ter sucesso na vida: se autoconhecer e tentar manter o equilíbrio dos dois mundos aos que pertence.
Barbi em Vida de Sereia é um filme que vale a pena assistir e que poderia ser bem aproveitado na educação das crianças, deixando de lado todo esse discurso mercantilista do significado da boneca Barbie que, muitas vezes, não permite que as pessoas vejam os pontos positivos que cativam as crianças. Depois de tudo, é um conto de fada, e como os bom contos de fada, se aproveita de símbolos para orientar a vida das crianças.
Texto original de Patricio M. Trujillo O.
Está proibida a reprodução total o parcial do texto sem a devida autorização por escrito do autor.
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