O filme que assistimos...

Você encontrará neste espaço comentários e analises de filmes de todas as épocas. Uma excelente oportunidade para aprender além do cinema.

Patricio Miguel Trujillo Ortega


25 de fevereiro de 2011

Tempo. Uma questão de sobrevivência


Tempo. Suspense-Policial-Drama. 83 minutos. 2003. Inglaterra-Luxemburgo-França.

Com Melanie Griffith, Rachael Leigh Cook, Hugh Dancy.

Direção: Eric Styles.

O filme Tempo, distribuído no Brasil com o nome de Tempo. Uma questão de sobrevivência é uma obra para lá de medíocre, e vamos perder um pouco de tempo falando dele porque o cinema está feito assim: filmes bons e ruins. O lamentável é que às vezes os filmes ruins são mais e melhores distribuídos que os bons.

A primeira impressão que temos de Tempo. Uma questão de sobrevivência é que se trata de um filme agradável de assistir. A história é ágil, dinâmica e tem uma ótima fotografia. Além disso, as poucas cenas de ação estão bem montadas, com um bom jogo de planos que ajuda, muito, na dramatização da obra. Inclusive o efeito visual da fotografia retratando o passo do tempo é ótimo, além das diversas cenas nas que se utiliza a sobre-exposição, dando a impressão de que estamos em frente a um filme que, tecnicamente, está bem. Aliás, até para se tratar de um filme de suspense com ação, violência, intriga, traição e triângulo amoroso, não se abusa das cenas de violência.

Tempo. Uma questão de sobrevivência: não se abusa das cenas de violência
No entanto... -

A história de Tempo é interessante, embora não seja muito original, o que faz com que ele seja previsível. Mas, o que destrói realmente o filme são as personagens. Muito mal concebidas. Extremamente estereotipadas e, o pior de tudo, são ocas e quando elas tentam ser profundas, caem no ridículo.
Sarah
Sarah é uma mulher de meia idade que mora em Paris e trabalha para um indivíduo inescrupuloso chamado Maldonado, traficando peças de arte de valor para colecionistas. Ela mora com Jack, que pela idade dele poderia ser seu filho. Depois que Sarah entrega uma peça, Walter, um colecionador, entra em contato com ela e lhe pede que viaje a Munique para conseguir uma moeda que deseja a sua esposa. Mas a proposta é perigosa porque ambos estão deixando de lado a Maldonado, que sempre é o intermediário e tem o poder para mexer as peças como bem ele entender. Desse jeito, deixando fora Maldonado, Sarah e Walter vão ter um ganho superior.
Tempo: uma questão de sobrevivência
Tudo sai errado
Só que tudo sai errado, e agora Sarah precisa de oitenta mil dólares se deseja continuar viva, pois percebeu que passar a perna em Maldonado não é fácil.

Para sair do problema, Jack e Sarah decidem roubar uma joalheria onde trabalha Jenny, uma garota americana que está há pouco tempo em Paris e que está saindo com Jack há apenas quatro dias.

As personagens. -

A história transcorre em um período de oito dias, e muito antes de chegar à metade do filme, começam a aparecer situações que indicam que algumas “coisas” faltam na montagem para que a história seja crível. Sem nos esquecer de mencionar que a relação entre Jack e Jenny é previsível.
Sarah e Jack
Sarah é uma mulher de mais de 40 anos. Ela mora em um apartamento que é do Maldonado e vive com Jack. Não se sabe nada de como ela e Maldonado se envolveram nos negócios ilícitos, mas se percebe que ela tem medo dele. Quando ela chega ao limite do desespero, aparece um ex-marido e um filho, já adulto, que não querem saber nada dela, pois parece que Sarah só os procura quando está precisando de dinheiro. Essa família que aparece como por arte de mágica, desaparece logo do mesmo jeito, sem deixar nenhum rastro. É um elemento adicionado apenas para tentar fazer mais dramática a situação de Sarah.
Jack, Sarah e seu filho
Jack é um aproveitador e um iluso. Sonha em ter um restaurante e acredita que misturando o melhor da comida francesa com o melhor da comida americana, terá sucesso. Só que não faz nada para realizar seu sonho. Ele é um pequeno marginal que rouba carros e está envolvido com Sarah por uma questão de sobrevivência. Parece uma pessoa legal, mas logo percebemos que não tem caráter e se envolve, por meio de mentiras, com Jenny. Na personalidade de Jack faltam algumas coisas: o sonho de ter um restaurante parece só um pretexto no roteiro para criar um “clima” no seu envolvimento com Jenny, tanto é assim que só uma vez ele e Sarah falam desse assunto, em um diálogo de dois segundos. Jack é um rapaz que não tem uma visão ou, melhor dito, não faz nada para ter a visão que ele acredita ter. Ademais, ele fica pulando entre Jenny e Sarah, e quando acha que optará por uma delas, perde o controle que ele acreditava ter.
Jack
Jenny é a personagem mais fraca do filme. Desde a origem da sua conceição, ela foi concebida com mais defeitos que inteligência. É uma menina boba, literalmente. É uma garota americana que está em Paris porque seus pais a castigaram enviando-a para lá com o intuito de que ela amadurecesse, já que ela tinha aprontado na escola, com alguns colegas, manipulando informações e adulterando as notas. Só essa informação de Jenny já mostra que é uma personagem que não tem o que fazer no filme. É possível que haja pais que castiguem seus filhos desse jeito? Jenny parece ser uma garota ingênua ou sonsa, que não percebe como é o mundo que está ao seu redor. Por exemplo, briga em uma banca de jornal com o vendedor porque acha que ele não deu o troco exato. Logo se descobre que ela não sabe diferenciar as diversas moedas francesas: mais um ponto negativo para Jenny. E há mais um: depois que se envolve com Jack, o leva para a joalheria de noite e mostra-lhe a gaveta onde guardam as joias autênticas que não ficam expostas nas vitrines durante a noite.
Jenny

Jack e Jenny
Sarah, Jack e Jenny formam um triângulo amoroso mal formado. Jenny descobre que Jack vive e é sustentado por Sarah, mas permanece no relacionamento. Sarah também descobre a traição de Jack, e permanece com ele. Os conflitos resultantes desse relacionamento não são explorados corretamente. Tudo é muito superficial porque as três personagens se amam e se odeiam numa velocidade supersônica. Se o diretor houvesse querido acertar, poderia ter eliminado o triângulo e ter explorado mais o mundo do tráfico de objetos de valor no qual Sarah está envolvida.
Jack e Jenny na joalheria
E Maldonado, o delinquente que sabe de tudo e parece ter o controle de todo, é uma personagem enigmática, não porque tenha um carisma para sê-lo, mas porque não há nenhum indício no filme para sabermos de onde vêm os seus “poderes oniscientes” sobre Sarah e Walter. É uma personagem, definitivamente, mal elaborada que só serve para justificar a história do roubo e seu trágico final.

Algumas cenas e outros fracassos. -

Vamos comentar brevemente três cenas patéticas que mostram a pobreza do filme devido a que utiliza recursos que não combinam com as suas personagens ou porque são, simplesmente, clichés.
Tempo
A primeira dessas cenas é quando se mostra Jack, nu, tomando banho. A cena aparece sem nenhuma explicação. Não há nenhum ambiente sensual ou erótico nesse momento. Ele está sozinho no apartamento e a câmera faz questão de mostra-lo nu. É como se alguém da produção quisesse ver o traseiro do ator e seu pedido foi realizado, porque não há outra maneira de entender a cena. A cena é bizarra, não porque haja um nu no filme, mas porque há outras cenas onde as personagens estão na cama, e o filme mostra discretamente um braço, ou uma perna. É uma cena mal feita para preencher o tempo, em um filme que dura menos de noventa minutos.

A segunda cena estranha é quando Jenny escuta uma conversa telefónica entre Jack e Sarah e ela assume o papel de detetive e começa a segui-lo. Ela não convence nesse papel justamente por ser uma garota um tanto ingênua, e mais ainda porque o que ela faz, não ajuda em nada no desenvolvimento da história. Inclusive, ela segue Jack e não acontece nada. O que ela estava investigando? Descobriu alguma coisa?... Essa é mais uma cena perdida na história.
Jenny
Jack
A terceira cena é a mais ridícula do filme: quando todos os envolvidos na história dos oitenta mil dólares e a moeda roubada estão juntos, acontece um tiroteio que sabíamos que ia chegar em algum momento; e, de repente, a trilha sonora do filme é um fragmento de uma espécie de canto gregoriano. Aí realmente percebemos que ninguém sabia o que estava fazendo na produção do filme. Os envolvidos na trama estão em um galpão gigante e de repente há um canto gregoriano que não combina com nada do que até esse momento assistimos. Mas que criatividade, faltou bom senso na escolha da música.
Trilha sonora com canto gregoriano!
Ademais das cenas mencionadas há dois momentos que são um tiro no pé do filme. Quando Sarah está com a mulher que vende a moeda, essa senhora idosa tem uma “iluminação” para entender o conflito que vive Sarah com seu namorado, que ela sustenta. É uma visão filosófica sobre a vida e as mulheres que aparece do nada e que em algum momento Sarah tenta conversar sobre ele com Jack, mas tudo é tão rápido, que ninguém mais se lembra do que aconteceu.

O mesmo se pode dizer de Jenny quando conta a Jack uma história sobre dois pingentes. É uma história mitológica muito bonita, já contada de diferentes vezes em “milhares” de filmes e que não combina com a personalidade de Jenny, e pior ainda com a de Jack.
 
Tempo
Palavras finais.-

Com muita frequência aprecem filmes medíocres, e se o tempo é uma questão de sobrevivência, Tempo é um filme que não vale a pena assistir, a não ser que você tenha tempo sobrando para perdê-lo ou queira aprender como fazer um filme ruim.

E se acharem que estou sendo muito duro, suavizemos as palavras: é um filme para uma simples diversão, fraca, e não pode ser levado a sério.

Texto original de Patricio Miguel Trujillo Ortega.

Está proibida a reprodução total o parcial do texto sem a autorização escrita do autor.

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