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Patricio Miguel Trujillo Ortega


16 de julho de 2017

Goodbye Solo



Goodbye Solo. Drama. 2008. 91 minutos. Estados Unidos.

Com Souleymané Sy Sayané, Red West, Diana Franco Galindo, Carmen Levya.

Direção de Ramin Bahrani.

Primeiras palavras.

Goodbye Solo é um excelente filme que mexe, na medida certa, com as emoções do espectador: é impossível ficar insensível quando está em jogo a decisão que define o poder que alguém pode ter sobre a vida ou a morte. Goodbye Solo é um filme independente americano que, além de fugir do padrão ‘independente’, cultuado por muitos pelo simples fato de ser ‘independente’, trata de maneira original, profunda e realista o desejo que algumas pessoas têm de morrer versus a impotência frustrante daqueles que, por mais que o tentem, não podem ajudar a aqueles que já desistiram da vida.

Goodbye Solo é um drama, como poucas vezes é visto, que impressiona pelo seu humanismo e seu realismo ao tratar de um tema tão complexo, sem cair na armadilha do moralismo, do politicamente correto, daquela mensagem vaga e previsível para ganhar a simpatia do público.

O suicídio é um tema comum nas manchetes sensacionalistas dos jornais que provoca na atualidade, graças à influência das redes sociais, uma onda de comentários vazios, grotescos, sendo que a maioria deles se baseiam em ideias religiosas, preconceitos moralistas, sem esquecer-se daqueles que se aproveitam dessa difícil decisão das pessoas para fins políticos e egoístas de outra índole.
Goodbye Solo
O suicídio não é um tema fácil de tratar na sociedade ocidental que simplesmente o condena, mas o filme de Ramin Bahrani, Goodbye Solo, é uma proposta original, consistente e tocante sobre a decisão de morrer e não permitir a interferência de ninguém sobre essa decisão. Com um roteiro original e sem nenhum tipo de puritanismo, este filme nos surpreende com uma história comovedora e misteriosa. Embora o ritmo do filme às vezes peque por um pouco de lentidão, o espectador se vê seduzido por uma história na qual o sentido da vida adquire um novo significado, tanto quanto o da morte.

A história e as suas personagens.

Goodbye Solo começa com a história já em andamento. Sem nenhum tipo de introdução, nos primeiros segundos, os dois protagonistas principais terminam um diálogo que não se sabe como se iniciou, mas que logo o espectador entende do que se trata. Além disso, nessa primeira sequência do filme, já estão definidos os traços, as características de William e Solo que vão criar um elo paradoxo que norteará a dinâmica do filme.
Goodbye Solo: William
William (Red West) é um homem que está entre os sessenta e setenta anos de idade. Ele está no taxi de Solo (Souléymane Sy Savané) e antes de descer do carro, pede ao taxista que confirme se aceita a proposta que ele fez: dentro de duas semanas o levará à montanha Blowing Rock em uma corrida só de ida. A região é muita afastada e o pedido é inaudito, por isso Solo percebe que alguma coisa séria está acontecendo com o passageiro, até esse momento um ser humano totalmente desconhecido para o taxista, e mais ainda quando ele oferece mil dólares pela viagem e, para garantir o serviço na data combinada, paga-lhe cem dólares adiantados.
Goodbye Solo: William e Solo
Solo surpreende-se com a proposta feita por William, e embora não tenham conversado nada específico com ele, sabe que o passageiro carrega um fardo pesado na sua vida e que a intenção dele é de se suicidar. Solo fica preocupado e, entre uma e outra palavra, evita assumir o compromisso da corrida e tenta desviar à atenção para outro lugar, mas frente à insistência de William, não só que aceita a proposta – uma aceitação nada prazerosa e que ele quer aproveitar para fazer todo o possível que William desista da sua ideia no decorrer dos dias – mas também se oferece para ser seu taxista desse momento em diante. Pede-lhe que na próxima vez que estiver precisando de um taxi, o chame.

Solo é um imigrante senegalês que está radicado numa cidade do interior de Carolina do Norte, Winston-Salem, nos Estados Unidos. Fala inglês, francês e muitos dialetos africanos. (Esse domínio linguístico é uma metáfora da sua personalidade: um homem extremamente comunicativo que conversa com todas as pessoas, e só por esse fato – o ato de conversar – já as considera seus amigos.) Ele é um taxista que não quer ser taxista para o resto da sua vida, motivo pelo qual trabalha para uma empresa de taxis e faz questão de não consertar um taxi velho que comprou e que não funciona e que está jogado no pátio da casa onde mora com a sua esposa.

O sonho profissional de Solo é ser comissário de bordo, só que esse não é o desejo de Quiera, sua atual esposa. Ela já tem uma filha, Alex, com quem Solo tem um ótimo relacionamento, e está gravida, esperando um filho de Solo, razão pela qual não compartilha da ideia de que seu esposo fique muito tempo ausente de casa. Quiera, com teimosia e praticidade, prefere que seu esposo esteja perto dela, trabalhando como taxista.

Goodbye Solo: Os primos de Quiera consertam o taxi velho de Solo
Solo é uma pessoa muito comunicativa, sociável e apaixonada pela vida. Ele trabalha duro e não reclama do trabalho porque sabe que seu esforço vale a pena para sustentar tanto a sua família nos Estados Unidos quanto aos que ficaram na África. Ele é essencialmente uma pessoa otimista que acredita nas belezas singulares da vida.

Já William é um homem de poucas palavras. Não gosta de falar nada dele e faz questão de não se comunicar e não quer ser incomodado por nada nem ninguém. Sobre o fardo que carrega, há um mistério que permanecerá até o fim. Solo chega a descobrir alguns detalhes particulares sobre ele, mas não o suficiente para poder saber quem é William: um indivíduo que não expressa nenhuma emoção e que se comporta com uma praticidade assustadora.

Um drama de luta entre o otimismo e o pessimismo.

Uma boa parte do filme acontece dentro do taxi de Solo. A maior parte dos diálogos corresponde ao esforço de Solo, que vai contando os dias que falta para a chegada da data escolhida por William para morrer, por fazer que seu novo amigo mude de ideia. Ele o oferece uma amizade que William não quer e embora seja rejeitada constantemente essa amizade, Solo não desiste da vida.

Goodbye Solo pode ser interpretado de diferentes maneiras, segundo a visão de cada espectador; no entanto, o eixo do filme está no relacionamento entre William e Solo a visão que cada um deles tem do mundo.
Goodbye Solo: A rotina final de William de ir ao cinema
Por um lado, Solo é uma pessoa otimista. Ele é apaixonado pela vida, pelos seus sonhos, pelas pessoas que conhece e, ao mesmo tempo, é um intrometido que, em outras circunstâncias, poderia ser considerado um autêntico chato. É aquela pessoa que insiste em conversar, em querer saber algo mais, a pesar de que seu interlocutor não quer nada com ele. Alguém poderia falar por aí, de maneira simplista: “Se William quer morrer, quem sou eu para impedir que não morra? Não é meu problema. Se ele quer morrer, que mora. Depois de tudo, é a vida do William e não a minha”. Esse raciocínio, nada artificial e mais comum do que nos imaginamos nas novas gerações que crescem bombardeadas por uma indiferença digital egoísta e imediatista, está longe de ser o modo de pensar de Solo. Para ele a vida é rica: os amigos, a família, os sonhos; não riqueza da vida não é só um sistema econômico. O otimismo de Solo vai além das necessidades básicas: seu otimismo se deriva da necessidade se sentir satisfeito consigo mesmo e nos problemas, ele não encontra dificuldade: ele acha tempo e espaço para acreditar que as situações podem melhorar. Isso ele demonstra na sua vida pessoal, no seu trabalho, no seu interesse pelas pessoas. Um interesse gratuito, porque não está esperando uma recompensa material.
Goodbye Solo: Alex e Solo
No outro extremo encontra-se William. Ele não quer nada do que Solo lhe oferece. Só quer duas coisas: continuar com a sua rotina, como ir algumas noites sempre ao mesmo cinema, e morrer como ele quer. William não quer saber nada da amizade de Solo e rejeita os conselhos que o senegalês insiste em dá-los. William é uma pessoa extremamente fechada e ninguém sabe nada dele. Até o final do filme, o espectador só saberá pequenos detalhes que não ajudam em nada a entender qual é o problema que ele tem. É impossível saber por que ele quer se suicidar.

Solo descobre que William tem um neto que não sabe da existência de seu avô. Mas esse descobrimento não leva a nenhuma das soluções que Solo gostaria de encontrar para que seu novo amigo não morra. Mais isso não é possível já que William não quer que ninguém se intrometa na sua vida e na sua morte.

Nestes dois extremos, Goodbye Solo narra, na verdade, a luta altruísta de um homem otimista que se preocupa de maneira admirável pelo destino de um estranho. Solo é a antítese da sociedade moderna que, envolvida no consumismo, no imediatismo, no egoísmo de querer mais e mais, não está “nem aí” pelo destino dos desconhecidos, aqueles que passam ao nosso lado todos os dias carregando dores e frustrações, pois vivemos em uma era na que o “eu” é o mais importante de tudo.

Goodbye Solo: William segue seu caminho final sozinho enquanto Solo e Alex se distanciam
Solo força uma amizade, que é recusada constantemente por William, porque não entende como um velho pode viver sozinho, sem que ninguém queira saber nada dele. Numa das corridas de taxi, bem no começo do filme, ele diz a William que no seu país os mais novos tomam conta dos mais velhos. Que se um velho não tem como comer porque já não tem dentes, os parentes que tomam conta dele o ajudam a mastigar. Uma história de otimismo que contrasta com o desânimo total de William pela vida que, pouco a pouco desfaz das suas coisas. Vende seu apartamento, fecha a sua conta bancária e está determinado a morrer na data marcada. No entanto, Solo consegue que William se solte um pouco quando ele sai da casa de Quiera e “se convida” a morar uns dias no motel onde William está morando depois de ter vendido seu apartamento. Nesse meio tempo, Solo descobre o segredo de por que William vai com frequência ao cinema, também fica sabendo de alguns dos gostos pessoais dele (já foi fanático de motocicletas, gosta de rock antigo y de country) e descobre que já foi casado e que a sua esposa o abandonou há mais de 30 anos.
Goodbye Solo: William e Solo: a antítese entre o otimismo e a desilusão
Mas todos esses descobrimentos não ajudam em nada para os objetivos de Solo. William se fecha com um trinco impenetrável para que ninguém possa abrir a sua porta.

Essa maneira de encarar a história torna o filme original e destrói o conceito do previsível das histórias que envolvem fortes emoções. O espectador descobre, com um pouco de amargura de tristeza, que Solo não pode fazer nada com seu otimismo quando uma pessoa se deixa tomar pela tristeza e pelo desânimo em geral.

Cena especial.

Apesar de que uma boa parte do filme transcorre no taxi, achamos que duas cenas marcantes do filme acontecem em outros ambientes. A primeira é quando Solo leva para uma farmácia as pastilhas que William toma. Essa cena é a personificação das características do taxista: um zelo extremo pelos amigos. Já que ele não consegue que William fale de seus problemas, quando descobre que seu amigo toma um medicamento, embora nunca se empregue a palavra “suicídio”, ele decide levar esses medicamentos para que sejam analisados e descobrir qual é o problema que William tem. Devido a que não sabe se o problema de William é físico o emocional, ele utiliza seus próprios meios para tentar descobrir o que seu amigo faz questão de não falar. Essa cena é a personificação de Solo: um indivíduo que se intromete na vida dos outros pelo bem deles, já que ele não procura nada para ele mesmo.

Goodbye Solo: Solo e Alex em Blowing Rock
A outra cena é a última do filme. Solo não consegue convencer a William de desistir e o leva para Blowing Rock, a montanha onde a neve sobe do chão para o céu, segundo os que já foram aí. Solo leva a Alex, a filha de Quiera, uma menina de uns doze anos, tão alegre e entusiasta quanto ele mesmo, na viagem. Ele precisa da companhia da única pessoa que nesse momento pode ser seu apoio para não perder seu entusiasmo da vida. Durante o trajeto no taxi até as montanhas, Solo permanece em silêncio, pela primeira vez, e depois que William vai embora, ele sobe com Alex ao topo da montanha e ele joga o galho de uma árvore para ver como em lugar cair, ele sobe. Alex não sabe nada a história de William, e com esse gesto, imortalizado no cartaz do filme, Solo não só está se despedindo de William, mas está desfrutando com Alex de um fenómeno da natureza singular e maravilhoso que representa a própria vida.

Texto original de Patricio M. Trujillo O.

Está proibida a reprodução total o parcial do texto sem a autorização escrita do autor do texto.

Segundo o IMDB, Goodbye Solo ganhou quatro prêmios: African-American Film Critics Association, AAFCA, 2009; Central Ohio Film Critics Association, 2010; National Board of Review, USA, 2009; Venice Film Festival, 2008 e obteve sete nominações.

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