Goodbye Solo. Drama. 2008. 91
minutos. Estados Unidos.
Com Souleymané
Sy Sayané, Red West, Diana Franco Galindo, Carmen Levya.
Direção de Ramin
Bahrani.
Primeiras
palavras.
Goodbye
Solo é um excelente filme que mexe, na medida certa, com as emoções do
espectador: é impossível ficar insensível quando está em jogo a decisão que
define o poder que alguém pode ter sobre a vida ou a morte. Goodbye
Solo é um filme independente americano que, além de fugir do padrão ‘independente’,
cultuado por muitos pelo simples fato de ser ‘independente’, trata de maneira
original, profunda e realista o desejo que algumas pessoas têm de morrer versus
a impotência frustrante daqueles que, por mais que o tentem, não podem ajudar a
aqueles que já desistiram da vida.
Goodbye
Solo é um drama, como poucas vezes é visto, que impressiona pelo seu
humanismo e seu realismo ao tratar de um tema tão complexo, sem cair na
armadilha do moralismo, do politicamente correto, daquela mensagem vaga e
previsível para ganhar a simpatia do público.
O suicídio é um
tema comum nas manchetes sensacionalistas dos jornais que provoca na
atualidade, graças à influência das redes sociais, uma onda de comentários
vazios, grotescos, sendo que a maioria deles se baseiam em ideias religiosas,
preconceitos moralistas, sem esquecer-se daqueles que se aproveitam dessa
difícil decisão das pessoas para fins políticos e egoístas de outra índole.
Goodbye Solo |
O suicídio não é
um tema fácil de tratar na sociedade ocidental que simplesmente o condena, mas
o filme de Ramin Bahrani, Goodbye Solo, é uma proposta
original, consistente e tocante sobre a decisão de morrer e não permitir a
interferência de ninguém sobre essa decisão. Com um roteiro original e sem
nenhum tipo de puritanismo, este filme nos surpreende com uma história
comovedora e misteriosa. Embora o ritmo do filme às vezes peque por um pouco de
lentidão, o espectador se vê seduzido por uma história na qual o sentido da
vida adquire um novo significado, tanto quanto o da morte.
A história
e as suas personagens.
Goodbye
Solo começa com a história já em andamento. Sem nenhum tipo de
introdução, nos primeiros segundos, os dois protagonistas principais terminam
um diálogo que não se sabe como se iniciou, mas que logo o espectador entende
do que se trata. Além disso, nessa primeira sequência do filme, já estão
definidos os traços, as características de William e Solo que vão criar um elo
paradoxo que norteará a dinâmica do filme.
Goodbye Solo: William |
William (Red West) é um homem que está
entre os sessenta e setenta anos de idade. Ele está no taxi de Solo (Souléymane Sy Savané) e antes de
descer do carro, pede ao taxista que confirme se aceita a proposta que ele fez:
dentro de duas semanas o levará à montanha Blowing
Rock em uma corrida só de ida. A região é muita afastada e o pedido é
inaudito, por isso Solo percebe que alguma coisa séria está acontecendo com o
passageiro, até esse momento um ser humano totalmente desconhecido para o
taxista, e mais ainda quando ele oferece mil dólares pela viagem e, para
garantir o serviço na data combinada, paga-lhe cem dólares adiantados.
Goodbye Solo: William e Solo |
Solo
surpreende-se com a proposta feita por William, e embora não tenham conversado
nada específico com ele, sabe que o passageiro carrega um fardo pesado na sua
vida e que a intenção dele é de se suicidar. Solo fica preocupado e, entre uma
e outra palavra, evita assumir o compromisso da corrida e tenta desviar à
atenção para outro lugar, mas frente à insistência de William, não só que
aceita a proposta – uma aceitação nada prazerosa e que ele quer aproveitar para
fazer todo o possível que William desista da sua ideia no decorrer dos dias –
mas também se oferece para ser seu taxista desse momento em diante. Pede-lhe
que na próxima vez que estiver precisando de um taxi, o chame.
Solo é um
imigrante senegalês que está radicado numa cidade do interior de Carolina do
Norte, Winston-Salem, nos Estados Unidos. Fala inglês, francês e muitos
dialetos africanos. (Esse domínio linguístico é uma metáfora da sua
personalidade: um homem extremamente comunicativo que conversa com todas as
pessoas, e só por esse fato – o ato de conversar – já as considera seus
amigos.) Ele é um taxista que não quer ser taxista para o resto da sua vida,
motivo pelo qual trabalha para uma empresa de taxis e faz questão de não consertar
um taxi velho que comprou e que não funciona e que está jogado no pátio da casa
onde mora com a sua esposa.
O sonho
profissional de Solo é ser comissário de bordo, só que esse não é o desejo de
Quiera, sua atual esposa. Ela já tem uma filha, Alex, com quem Solo tem um
ótimo relacionamento, e está gravida, esperando um filho de Solo, razão pela
qual não compartilha da ideia de que seu esposo fique muito tempo ausente de
casa. Quiera, com teimosia e praticidade, prefere que seu esposo esteja perto
dela, trabalhando como taxista.
Goodbye Solo: Os primos de Quiera consertam o taxi velho de Solo |
Solo é uma
pessoa muito comunicativa, sociável e apaixonada pela vida. Ele trabalha duro e
não reclama do trabalho porque sabe que seu esforço vale a pena para sustentar
tanto a sua família nos Estados Unidos quanto aos que ficaram na África. Ele é
essencialmente uma pessoa otimista que acredita nas belezas singulares da vida.
Já William é um
homem de poucas palavras. Não gosta de falar nada dele e faz questão de não se
comunicar e não quer ser incomodado por nada nem ninguém. Sobre o fardo que
carrega, há um mistério que permanecerá até o fim. Solo chega a descobrir
alguns detalhes particulares sobre ele, mas não o suficiente para poder saber
quem é William: um indivíduo que não expressa nenhuma emoção e que se comporta
com uma praticidade assustadora.
Um
drama de luta entre o otimismo e o pessimismo.
Uma boa parte do
filme acontece dentro do taxi de Solo. A maior parte dos diálogos corresponde
ao esforço de Solo, que vai contando os dias que falta para a chegada da data
escolhida por William para morrer, por fazer que seu novo amigo mude de ideia.
Ele o oferece uma amizade que William não quer e embora seja rejeitada
constantemente essa amizade, Solo não desiste da vida.
Goodbye
Solo pode ser interpretado de diferentes maneiras, segundo a visão de
cada espectador; no entanto, o eixo do filme está no relacionamento entre
William e Solo a visão que cada um deles tem do mundo.
Goodbye Solo: A rotina final de William de ir ao cinema |
Por um lado,
Solo é uma pessoa otimista. Ele é apaixonado pela vida, pelos seus sonhos,
pelas pessoas que conhece e, ao mesmo tempo, é um intrometido que, em outras
circunstâncias, poderia ser considerado um autêntico chato. É aquela pessoa que
insiste em conversar, em querer saber algo mais, a pesar de que seu
interlocutor não quer nada com ele. Alguém poderia falar por aí, de maneira
simplista: “Se William quer morrer, quem
sou eu para impedir que não morra? Não é meu problema. Se ele quer morrer, que
mora. Depois de tudo, é a vida do William e não a minha”. Esse raciocínio,
nada artificial e mais comum do que nos imaginamos nas novas gerações que
crescem bombardeadas por uma indiferença digital egoísta e imediatista, está
longe de ser o modo de pensar de Solo. Para ele a vida é rica: os amigos, a
família, os sonhos; não riqueza da vida não é só um sistema econômico. O
otimismo de Solo vai além das necessidades básicas: seu otimismo se deriva da
necessidade se sentir satisfeito consigo mesmo e nos problemas, ele não
encontra dificuldade: ele acha tempo e espaço para acreditar que as situações
podem melhorar. Isso ele demonstra na sua vida pessoal, no seu trabalho, no seu
interesse pelas pessoas. Um interesse gratuito, porque não está esperando uma
recompensa material.
Goodbye Solo: Alex e Solo |
No outro extremo
encontra-se William. Ele não quer nada do que Solo lhe oferece. Só quer duas
coisas: continuar com a sua rotina, como ir algumas noites sempre ao mesmo
cinema, e morrer como ele quer. William não quer saber nada da amizade de Solo
e rejeita os conselhos que o senegalês insiste em dá-los. William é uma pessoa
extremamente fechada e ninguém sabe nada dele. Até o final do filme, o
espectador só saberá pequenos detalhes que não ajudam em nada a entender qual é
o problema que ele tem. É impossível saber por que ele quer se suicidar.
Solo descobre
que William tem um neto que não sabe da existência de seu avô. Mas esse
descobrimento não leva a nenhuma das soluções que Solo gostaria de encontrar
para que seu novo amigo não morra. Mais isso não é possível já que William não
quer que ninguém se intrometa na sua vida e na sua morte.
Nestes dois
extremos, Goodbye Solo narra, na verdade, a luta altruísta de um homem
otimista que se preocupa de maneira admirável pelo destino de um estranho. Solo
é a antítese da sociedade moderna que, envolvida no consumismo, no imediatismo,
no egoísmo de querer mais e mais, não está “nem aí” pelo destino dos
desconhecidos, aqueles que passam ao nosso lado todos os dias carregando dores
e frustrações, pois vivemos em uma era na que o “eu” é o mais importante de tudo.
Goodbye Solo: William segue seu caminho final sozinho enquanto Solo e Alex se distanciam |
Solo força uma
amizade, que é recusada constantemente por William, porque não entende como um
velho pode viver sozinho, sem que ninguém queira saber nada dele. Numa das
corridas de taxi, bem no começo do filme, ele diz a William que no seu país os
mais novos tomam conta dos mais velhos. Que se um velho não tem como comer
porque já não tem dentes, os parentes que tomam conta dele o ajudam a mastigar.
Uma história de otimismo que contrasta com o desânimo total de William pela
vida que, pouco a pouco desfaz das suas coisas. Vende seu apartamento, fecha a
sua conta bancária e está determinado a morrer na data marcada. No entanto,
Solo consegue que William se solte um pouco quando ele sai da casa de Quiera e
“se convida” a morar uns dias no motel onde William está morando depois de ter
vendido seu apartamento. Nesse meio tempo, Solo descobre o segredo de por que
William vai com frequência ao cinema, também fica sabendo de alguns dos gostos
pessoais dele (já foi fanático de motocicletas, gosta de rock antigo y de
country) e descobre que já foi casado e que a sua esposa o abandonou há mais de
30 anos.
Goodbye Solo: William e Solo: a antítese entre o otimismo e a desilusão |
Mas todos esses
descobrimentos não ajudam em nada para os objetivos de Solo. William se fecha
com um trinco impenetrável para que ninguém possa abrir a sua porta.
Essa maneira de
encarar a história torna o filme original e destrói o conceito do previsível
das histórias que envolvem fortes emoções. O espectador descobre, com um pouco
de amargura de tristeza, que Solo não pode fazer nada com seu otimismo quando
uma pessoa se deixa tomar pela tristeza e pelo desânimo em geral.
Cena
especial.
Apesar de que
uma boa parte do filme transcorre no taxi, achamos que duas cenas marcantes do
filme acontecem em outros ambientes. A primeira é quando Solo leva para uma
farmácia as pastilhas que William toma. Essa cena é a personificação das
características do taxista: um zelo extremo pelos amigos. Já que ele não
consegue que William fale de seus problemas, quando descobre que seu amigo toma
um medicamento, embora nunca se empregue a palavra “suicídio”, ele decide levar
esses medicamentos para que sejam analisados e descobrir qual é o problema que
William tem. Devido a que não sabe se o problema de William é físico o
emocional, ele utiliza seus próprios meios para tentar descobrir o que seu
amigo faz questão de não falar. Essa cena é a personificação de Solo: um
indivíduo que se intromete na vida dos outros pelo bem deles, já que ele não
procura nada para ele mesmo.
Goodbye Solo: Solo e Alex em Blowing Rock |
A outra cena é a
última do filme. Solo não consegue convencer a William de desistir e o leva
para Blowing Rock, a montanha onde a
neve sobe do chão para o céu, segundo os que já foram aí. Solo leva a Alex, a
filha de Quiera, uma menina de uns doze anos, tão alegre e entusiasta quanto
ele mesmo, na viagem. Ele precisa da companhia da única pessoa que nesse
momento pode ser seu apoio para não perder seu entusiasmo da vida. Durante o trajeto
no taxi até as montanhas, Solo permanece em silêncio, pela primeira vez, e
depois que William vai embora, ele sobe com Alex ao topo da montanha e ele joga
o galho de uma árvore para ver como em lugar cair, ele sobe. Alex não sabe nada
a história de William, e com esse gesto, imortalizado no cartaz do filme, Solo
não só está se despedindo de William, mas está desfrutando com Alex de um
fenómeno da natureza singular e maravilhoso que representa a própria vida.
Texto original de Patricio M. Trujillo O.
Está proibida a reprodução total o parcial
do texto sem a autorização escrita do autor do texto.
Segundo o IMDB, Goodbye
Solo ganhou quatro prêmios: African-American Film Critics Association,
AAFCA, 2009; Central Ohio Film Critics Association, 2010; National Board of
Review, USA, 2009; Venice Film Festival, 2008 e obteve sete nominações.
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