O filme que assistimos...

Você encontrará neste espaço comentários e analises de filmes de todas as épocas. Uma excelente oportunidade para aprender além do cinema.

Patricio Miguel Trujillo Ortega


25 de setembro de 2016

Bal - Um Doce Olhar



Bal – Um Doce Olhar. 2010. Turquia. 103 minutos. Drama.

Com Erdal Besikçioglu, Alev Uçarer.

Direção de Semih Kaplanoglu.

Bal é um filme turco distribuído no Brasil sob o título Um Doce Olhar e provoca um conflito terrível no espectador. Se bem é verdade que por um lado teve sucesso de crítica no Festival de Berlim de 2010, onde ganhou o prêmio Urso de Ouro, por outro lado, se trata de um filme entediante, embora saibamos que é uma obra de arte de qualidade.

Os 103 minutos que dura o filme parecem não terminar nunca e a vontade é de desistir no meio do caminho, só que aí, então, se levantam algumas questões que nos motivam a ir até o fim.

Em primeiro lugar, Bal – Um Doce Olhar é um filme sensível e profundo que se expressa por meio do silêncio e da fotografia no lugar das palavras e da ação. Em segundo lugar a lentidão é proposital e acertada, porque se trata de uma história de uma criança que perde os sonhos e a inocência de “ser criança”; por tanto, ela precisa ter seu próprio tempo e ritmo para assimilar sua nova realidade e se enfrentar com as decepções. E o ritmo da criança não é o mesmo do adulto.

A história. -

Vamos resumir a história na ordem cronológica dos fatos, embora não seja narrada dessa forma.
Bal - Um Doce Olhar: Yusuf e seu pai
Yusuf é um menino pequeno, quiçá tenha seis anos de idade, que mora em uma região rural montanhosa da Turquia com seus pais. Ele tem uma relação intensa e de cumplicidade com seu pai. Ambos se comunicam por meio de poucas palavras, gestos e atitudes que demonstram que o relacionamento pai-filho é ótimo. Os laços entre ambos são estreitos. No entanto não se pode dizer o mesmo com relação a sua mãe, que é uma mulher que se expressa pouco e tem dificuldade em demonstrar a sua afetividade com seu filho, com quem não tem nenhum tipo de conflito. Simplesmente eles ainda não encontraram a maneira de se comunicar da melhor forma possível.
Bal - Um Doce Olhar: Yusuf e seu pai: laços estreitos
Yakup, o pai de Yusuf, é um apicultor que se vê obrigado a viajar, junto com outros apicultores, longe do lar porque está buscando os melhores lugares para a produção de mel, pois são cada vez mais escassos na região onde eles moram. Ele inicia a sua viagem e Yusuf fica em casa com sua mãe. A vida do garoto, durante a ausência do pai, transcorre entre a casa e a escola, e quanto mais seu pai demora-se em voltar, esse mundo seguro do menino se torna sombrio, angustiante, de pesadelos e de solidão; e mais ainda, ao saber que seu pai está desaparecido.

O conflito. -

O destino do pai de Yusuf já está definido desde o começo, e o espectador sabe disso muito antes do menino. O filme começa com uma sequência lenta de uma paisagem bucólica, quase contemplativa, acompanhando cada gesto que realiza Yakup, até o momento em que fica em uma situação difícil e muito perigosa.
Bal - Um Doce Olhar: Yakup
Em seguida tudo muda. O filme adota um ritmo meditativo e vai mostrando a rotina da família de Yusuf, revelando principalmente que o menino se comunica melhor com seu pai e, dessa forma, com o mundo que há ao seu redor, até o momento da partida de Yakup. O filme continua nesse mesmo ritmo meditativo, assim como a rotina da família; no entanto, Yusuf, um menino tímido, passa a viver em um mundo tenso, de solidão, porque não há mais com quem se comunicar. A mãe não encontra o jeito de criar o laço afetivo com o garoto que, por momentos, conforme seu pai se demora em retornar, pressente a tragédia e não sabe como se expressar ou, em outras palavras, como encontrar um consolo.
Bal - Um Doce Olhar: Yusuf
Yusuf se comunica muito bem com seu pai, e uma das primeiras características que vemos no relacionamento pai-filho é a leitura. Em casa, o menino lê para o pai com bastante segurança, para quem esta apreendendo a ler, o que está escrito em uma folha de calendário: a data e as informações do dia. Porém, na escola, a criança apresenta uma dificuldade muito grande para ler, chegando apenas a gaguejar.

A técnica. -

Bal – Um Doce Olhar, apesar de ser bastante parado como explicamos no começo do texto, é um filme bem feito. Em primeiro lugar, o trabalho fotográfico de Baris Özbiçer é excelente. Ele usa acertadamente a luz nos mais diversos ambientes: na floresta, na escola e na casa da família de Yusuf.
Bal - Um Doce Olhar
Quase não há trilha sonora, e não faz falta, pois os muitos momentos de silêncio e os barulhos naturais dos ambientes onde transcorrem as cenas ajudam a criar os diversos climas da história. Como exemplo, podemos citar o vento que bate nas árvores, a água da chuva nos telhados ou, mais interessante ainda, os passos de Yusuf na lama, a caminho da escola.

Bal - Um Doce Olhar: Yusuf a caminho a escola
Também há que destacar os movimentos da câmera ou, melhor dito, a falta do movimento dela. Esse recurso cumpre a função de mostrar para o espectador o cenário real, o que ajuda a vivenciar o que as personagens estão vivendo nesse exato momento, especificamente: a espera da chegada de Yakup ou o fim da esperança, como acontece com o plano longo quando Yusuf fica olhando a lua no reflexo da água.

Cenas importantes. -

Escolhemos duas cenas para destacar os conflitos que perturbam a criança.

A primeira é um símbolo do processo da maturidade forçada de Yusuf: começa com a segurança que vive com seu pai, passa pelo medo da perda e termina com a aceitação da nova realidade. A cena, na verdade, está composta por três momentos. No primeiro: Yusuf não gosta de leite e quando a sua mãe lhe da um copo, é Yakup quem toma o leite sem que a sua esposa perceba o engano. No segundo, com o pai ausente e demorando em voltar, no lugar de beber o leite, Yusuf joga-o fora. Só mais tarde, quando a nova realidade é inevitável, o menino aceita o copo de leite sem nenhum tipo de reclamação.
Bal - Um Doce Olhar
A segunda cena que há que destacar, é quando o professor decide “premiar” a Yusuf pela leitura com o último broche que sobrava na turma. Na escola, como foi dito anteriormente, o menino gagueja e isso provoca as risadas de sues colegas. Ele tenta de todas as formas ler, mas não consegue, até que no final, quando todos os broches já foram distribuídos ao longo das aulas e ele já não tem esperanças de ganhar um, o professor lhe da o último, o que sobra, apesar da dificuldade do menino para ler apenas o título do conto. Essa cena é interessante porque durante o filme o professor transmite a imagem de ser uma pessoa inexpressiva e insensível. Parece que faz um trabalho mecânico, cansativo e que não sabe o que acontece com seus alunos; no entanto, ao dar o broche a Yusuf, não só demonstra sua sensibilidade, mas que ele sabe o que está acontecendo ao seu redor.
Bal - Um Doce Olhar: Yusuf na escola
Reflexões adicionais. -

Agora vamos sair um pouco da história do filme e fazer uma reflexão adicional sobre alguns elementos que o compõem. Para isso, temos que lembrar que estamos frente a uma produção turca, então, estamos falando de uma manifestação cultural que nos é estranha, por mais globalizados que pensemos ser.
Bal - Um Doce Olhar
Então, algo que nos chama à atenção é a falta de perspectiva para os homens e mulheres da região onde o filme está ambientado. Yakup e outros homens estão obrigados a ir cada vez mais longe para conseguir o mel. E alguns, como é o caso do pai de Yasuf, não voltarão pelos perigos que enfrentam. Esses homens e mulheres não conhecem novas técnicas para produzir mel e a sobrevivência deles está em risco.

Outro aspecto que chama a atenção é o tema do comportamento das crianças na escola. Não podemos julgar com os nossos valores o que vemos no filme, mas é chocante ver um grupo de crianças inexpressivas na sala de aula. Um dia, quando o professor está revisando os deveres de casa, Yusuf, que não fez o seu dever, troca seu caderno pelo do colega, sem o consentimento dele, segundos antes do professor chegar à carteira de ambos. E o menino prejudicado, fica impassível, sem se defender ou protestar pela injustiça e sofre o castigo. Parece que os meninos, em geral, têm que ter muito cuidado com as palavras, com o que podem dizer ou não.
Bal - Um Doce Olhar: Yusuf na escola
Palavras finais. -

Bal – Um Doce Olhar é um filme que vale a pena assistir, embora não seja fácil pela forma em que os recursos técnicos, de boa qualidade como falamos antes, são utilizados. Não estamos frente a um filme para entreter, e sim para refletir, pausadamente. As primeiras impressões do filme não tem fundamento. Como espectadores, temos que nos comportar como se comporta a câmera durante o filme: com calma, olhando cada detalhe, vivenciando cada momento, para tentar entender o que acontece na intimidade do ser humano. E quem já assistiu ao filme e está lendo este texto, pode lembrar a cena na que Yusuf, como se estivesse se auto castigando pelo que fez ao colega na escola, abre mão do barco de brinquedo feito pelo seu pai.

Segundo informações recolhidas na Internet, Bal – Um Doce Olhar é a terceira parte de uma trilogia iniciada em 2007 com o filme Ymurta, e que continuou com Sut (2008) que conta as diversas etapas da vida de Yusuf; mas, em qualquer caso, não é necessário assistir os filme anteriores para compreender esse.

Uma comentário ao título em português.-

Não queríamos terminar o texto sem mencionar a péssima tradução do título original para o português. Novamente, segundo Internet, Bal significa “mel”, e esse seria o título original do filme em português. O título escolhido, Um Doce Olhar, é tendencioso e engana ao espectador porque não é uma história doce e o olhar do menino é de tristeza e solidão.

Texto original de Patricio Miguel Trujillo Ortega.

Está proibida a reprodução total o parcial do texto sem a autorização escrita do autor.

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