Com Erdal Besikçioglu, Alev
Uçarer.
Direção de Semih Kaplanoglu.
Bal é um filme turco
distribuído no Brasil sob o título Um Doce Olhar e provoca um conflito
terrível no espectador. Se bem é verdade que por um lado teve sucesso de
crítica no Festival de Berlim de 2010,
onde ganhou o prêmio Urso de Ouro,
por outro lado, se trata de um filme entediante, embora saibamos que é uma obra
de arte de qualidade.
Os 103 minutos que dura o filme
parecem não terminar nunca e a vontade é de desistir no meio do caminho, só que
aí, então, se levantam algumas questões que nos motivam a ir até o fim.
Em primeiro lugar, Bal –
Um Doce Olhar é um filme sensível e profundo que se expressa por meio
do silêncio e da fotografia no lugar das palavras e da ação. Em segundo lugar a
lentidão é proposital e acertada, porque se trata de uma história de uma
criança que perde os sonhos e a inocência de “ser criança”; por tanto, ela
precisa ter seu próprio tempo e ritmo para assimilar sua nova realidade e se
enfrentar com as decepções. E o ritmo da criança não é o mesmo do adulto.
A história. -
Vamos resumir a história na ordem
cronológica dos fatos, embora não seja narrada dessa forma.
Bal - Um Doce Olhar: Yusuf e seu pai |
Yusuf é um menino pequeno, quiçá
tenha seis anos de idade, que mora em uma região rural montanhosa da Turquia
com seus pais. Ele tem uma relação intensa e de cumplicidade com seu pai. Ambos
se comunicam por meio de poucas palavras, gestos e atitudes que demonstram que
o relacionamento pai-filho é ótimo. Os laços entre ambos são estreitos. No
entanto não se pode dizer o mesmo com relação a sua mãe, que é uma mulher que
se expressa pouco e tem dificuldade em demonstrar a sua afetividade com seu
filho, com quem não tem nenhum tipo de conflito. Simplesmente eles ainda não
encontraram a maneira de se comunicar da melhor forma possível.
Bal - Um Doce Olhar: Yusuf e seu pai: laços estreitos |
Yakup, o pai de Yusuf, é um
apicultor que se vê obrigado a viajar, junto com outros apicultores, longe do
lar porque está buscando os melhores lugares para a produção de mel, pois são
cada vez mais escassos na região onde eles moram. Ele inicia a sua viagem e
Yusuf fica em casa com sua mãe. A vida do garoto, durante a ausência do pai,
transcorre entre a casa e a escola, e quanto mais seu pai demora-se em voltar,
esse mundo seguro do menino se torna sombrio, angustiante, de pesadelos e de
solidão; e mais ainda, ao saber que seu pai está desaparecido.
O conflito. -
O destino do pai de Yusuf já está
definido desde o começo, e o espectador sabe disso muito antes do menino. O
filme começa com uma sequência lenta de uma paisagem bucólica, quase
contemplativa, acompanhando cada gesto que realiza Yakup, até o momento em que
fica em uma situação difícil e muito perigosa.
Bal - Um Doce Olhar: Yakup |
Em seguida tudo muda. O filme adota
um ritmo meditativo e vai mostrando a rotina da família de Yusuf, revelando
principalmente que o menino se comunica melhor com seu pai e, dessa forma, com
o mundo que há ao seu redor, até o momento da partida de Yakup. O filme
continua nesse mesmo ritmo meditativo, assim como a rotina da família; no
entanto, Yusuf, um menino tímido, passa a viver em um mundo tenso, de solidão,
porque não há mais com quem se comunicar. A mãe não encontra o jeito de criar o
laço afetivo com o garoto que, por momentos, conforme seu pai se demora em
retornar, pressente a tragédia e não sabe como se expressar ou, em outras
palavras, como encontrar um consolo.
Bal - Um Doce Olhar: Yusuf |
Yusuf se comunica muito bem com
seu pai, e uma das primeiras características que vemos no relacionamento pai-filho
é a leitura. Em casa, o menino lê para o pai com bastante segurança, para quem
esta apreendendo a ler, o que está escrito em uma folha de calendário: a data e
as informações do dia. Porém, na escola, a criança apresenta uma dificuldade
muito grande para ler, chegando apenas a gaguejar.
A técnica. -
Bal – Um Doce Olhar,
apesar de ser bastante parado como explicamos no começo do texto, é um filme
bem feito. Em primeiro lugar, o trabalho fotográfico de Baris Özbiçer é excelente.
Ele usa acertadamente a luz nos mais diversos ambientes: na floresta, na escola
e na casa da família de Yusuf.
Bal - Um Doce Olhar |
Quase não há trilha sonora, e não
faz falta, pois os muitos momentos de silêncio e os barulhos naturais dos
ambientes onde transcorrem as cenas ajudam a criar os diversos climas da
história. Como exemplo, podemos citar o vento que bate nas árvores, a água da
chuva nos telhados ou, mais interessante ainda, os passos de Yusuf na lama, a
caminho da escola.
Bal - Um Doce Olhar: Yusuf a caminho a escola |
Também há que destacar os
movimentos da câmera ou, melhor dito, a falta do movimento dela. Esse recurso
cumpre a função de mostrar para o espectador o cenário real, o que ajuda a
vivenciar o que as personagens estão vivendo nesse exato momento,
especificamente: a espera da chegada de Yakup ou o fim da esperança, como
acontece com o plano longo quando Yusuf fica olhando a lua no reflexo da água.
Cenas importantes. -
Escolhemos duas cenas para
destacar os conflitos que perturbam a criança.
A primeira é um símbolo do
processo da maturidade forçada de Yusuf: começa com a segurança que vive com
seu pai, passa pelo medo da perda e termina com a aceitação da nova realidade.
A cena, na verdade, está composta por três momentos. No primeiro: Yusuf não
gosta de leite e quando a sua mãe lhe da um copo, é Yakup quem toma o leite sem
que a sua esposa perceba o engano. No segundo, com o pai ausente e demorando em
voltar, no lugar de beber o leite, Yusuf joga-o fora. Só mais tarde, quando a
nova realidade é inevitável, o menino aceita o copo de leite sem nenhum tipo de
reclamação.
Bal - Um Doce Olhar |
A segunda cena que há que
destacar, é quando o professor decide “premiar” a Yusuf pela leitura com o
último broche que sobrava na turma. Na escola, como foi dito anteriormente, o
menino gagueja e isso provoca as risadas de sues colegas. Ele tenta de todas as
formas ler, mas não consegue, até que no final, quando todos os broches já
foram distribuídos ao longo das aulas e ele já não tem esperanças de ganhar um,
o professor lhe da o último, o que sobra, apesar da dificuldade do menino para
ler apenas o título do conto. Essa cena é interessante porque durante o filme o
professor transmite a imagem de ser uma pessoa inexpressiva e insensível.
Parece que faz um trabalho mecânico, cansativo e que não sabe o que acontece
com seus alunos; no entanto, ao dar o broche a Yusuf, não só demonstra sua
sensibilidade, mas que ele sabe o que está acontecendo ao seu redor.
Bal - Um Doce Olhar: Yusuf na escola |
Reflexões adicionais. -
Agora vamos sair um pouco da
história do filme e fazer uma reflexão adicional sobre alguns elementos que o compõem.
Para isso, temos que lembrar que estamos frente a uma produção turca, então,
estamos falando de uma manifestação cultural que nos é estranha, por mais
globalizados que pensemos ser.
Bal - Um Doce Olhar |
Então, algo que nos chama à
atenção é a falta de perspectiva para os homens e mulheres da região onde o
filme está ambientado. Yakup e outros homens estão obrigados a ir cada vez mais
longe para conseguir o mel. E alguns, como é o caso do pai de Yasuf, não
voltarão pelos perigos que enfrentam. Esses homens e mulheres não conhecem
novas técnicas para produzir mel e a sobrevivência deles está em risco.
Outro aspecto que chama a atenção
é o tema do comportamento das crianças na escola. Não podemos julgar com os
nossos valores o que vemos no filme, mas é chocante ver um grupo de crianças
inexpressivas na sala de aula. Um dia, quando o professor está revisando os
deveres de casa, Yusuf, que não fez o seu dever, troca seu caderno pelo do
colega, sem o consentimento dele, segundos antes do professor chegar à carteira
de ambos. E o menino prejudicado, fica impassível, sem se defender ou protestar
pela injustiça e sofre o castigo. Parece que os meninos, em geral, têm que ter muito
cuidado com as palavras, com o que podem dizer ou não.
Bal - Um Doce Olhar: Yusuf na escola |
Palavras finais. -
Bal – Um Doce Olhar é um
filme que vale a pena assistir, embora não seja fácil pela forma em que os
recursos técnicos, de boa qualidade como falamos antes, são utilizados. Não
estamos frente a um filme para entreter, e sim para refletir, pausadamente. As
primeiras impressões do filme não tem fundamento. Como espectadores, temos que
nos comportar como se comporta a câmera durante o filme: com calma, olhando
cada detalhe, vivenciando cada momento, para tentar entender o que acontece na
intimidade do ser humano. E quem já assistiu ao filme e está lendo este texto, pode
lembrar a cena na que Yusuf, como se estivesse se auto castigando pelo que fez
ao colega na escola, abre mão do barco de brinquedo feito pelo seu pai.
Segundo informações recolhidas na
Internet, Bal – Um Doce Olhar é a terceira parte de uma trilogia iniciada
em 2007 com o filme Ymurta, e que continuou com Sut (2008) que conta as
diversas etapas da vida de Yusuf; mas, em qualquer caso, não é necessário
assistir os filme anteriores para compreender esse.
Uma comentário ao título em
português.-
Não queríamos terminar o texto
sem mencionar a péssima tradução do título original para o português.
Novamente, segundo Internet, Bal significa “mel”, e esse seria o
título original do filme em português. O título escolhido, Um Doce Olhar, é
tendencioso e engana ao espectador porque não é uma história doce e o olhar do
menino é de tristeza e solidão.
Texto original de Patricio Miguel Trujillo Ortega.
Está proibida a reprodução total o parcial do texto sem a autorização
escrita do autor.
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