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Patricio Miguel Trujillo Ortega


20 de dezembro de 2012

La faute à Fidel! - A culpa é do Fidel!



La faute à Fidel! – A culpa é do Fidel! Drama, 95 minutos, 2007. França.

Com: Nina Kervel, Julie Depardieu, Stefano Accorsi.

Direção: Julie Gavras.

A culpa é do Fidel! foi,  sem dúvida nenhuma, um dos melhores filmes do ano 2007 e hoje, cinco anos depois, não perdeu a vigência que ele tem.


Ainda que o título possa enganar o espectador que não o viu, o filme conta a história de Anna de la Mesa, uma menina de nove anos de idade que, de repente, vê seu mundo se desmoronar e tenta, desesperadamente, reconstruí-lo. Por isso, podemos dizer que A culpa é do Fidel! é a narração do processo de amadurecimento pelo qual Anna tem que passar não só na difícil tarefa de entender o mundo dos adultos ou, mais particularmente, o dos pais dela numa época de profundas lutas ideológicas, mas de encontrar sua identidade e seu espaço nesse mundo.

A culpa é do Fidel! é um filme sensível e  intenso ambientado entre os anos de 1970 e 1973 em Paris e a história é contada sob a perspectiva de Anna; portanto, para entender esta perspectiva, devemos primeiro conhecer as pessoas que estão ao redor da menina e os problemas que elas têm.

Anna de la Mesa
O pai de Anna é um jovem advogado espanhol, atualmente sem emprego, que mora na França há muito tempo. Ele é descendente de uma família tradicional espanhola que apoiou a ditadura do general Franco, porém suas ideias são diferentes. A mãe de Anna é uma mulher que escreve para a revista Marie-Claire e pensa diferente de seus pais, que vivem comodamente em uma grande propriedade; não obstante, isso não impede que junto com seu esposo e seus dois filhos, Anna e François, de cinco anos, morem também em uma casa grande com todas as comodidades possíveis.

Junto com a sua família, o mundo de Anna é composto por dois elementos adicionais: a presença da sua babá, Filomena, uma exiliada cubana que odeia Fidel Castro e todos os comunistas, a quem ela chama de “barbudos” e que, entre confidências e queixas, conta para Anna que os “barbudos” tentam roubar o que eles têm e que estão transformando os pais da menina em “comunistas”. A babá resume seu pensamento em uma frase única: “A culpa é do Fidel”; Anna, que escuta e avalia, repete as mesmas palavras. Daí o título do filme!
Ana e seus costumes
O segundo elemento que compõe o mundo de Ana é a escola onde ela estuda: uma escola religiosa, de freiras, só para meninas e com uma educação tradicionalista. Ana gosta da sua escola e das suas amigas, ainda que alguns dos seus costumes sejam diferentes na sua casa. Logo comentamos uma cena marcante da diferença destes costumes.

Os pais de Anna e suas novas atitudes
Mas agora falemos de uma cena marcante que demonstra como é o mundo na visão de Anna e que está prestes a desmoronar. A cena acontece no começo do filme. É o dia do casamento da tia materna de Anna e a celebração é na casa dos avós maternos. Por um lado, vemos Anna sentada em uma mesa grande junto com outras crianças. Ela está ensinando as crianças a comerem fruta com garfo e faca. Anna se comporta de uma maneira rígida e excessivamente formal, seguindo o padrão de comportamento com o qual está acostumada, seja na escola ou na casa dos avós, e do que ela gosta. Por outro lado, em uma conversa no meio da festa com a sua mãe, ela descobre que seus pais quando se casaram, não tiveram esse tipo de festa porque eles não concordavam com esses costumes.

Ficam, então, já estabelecidas as duas linhas de comportamento que vão guiar a história do filme e que caminharão de forma paralela, tentando encontrar uma brecha onde elas possam se juntar. Tarefa difícil para as duas linhas paralelas.
Anna e seu irmão com lembranças da viagem dos pais a Chile
O desmoronamento do mundo perfeito de Anna começa com a presença da sua tia espanhola já no dia da festa. Ela e a sua filha fugiram da Espanha para França logo depois que seu esposo, opositor ao regime do General Franco, foi assassinado. O pai de Anna sente que deve fazer alguma coisa não só pela sua irmã, mas também por ele mesmo; portanto, além de acolher a sua “família”, junto com a sua esposa decidem rever seus valores e, de alguma forma, recuperar o “tempo perdido” nessa vida “burguesa” que eles levam, sendo que há injustiças no mundo e que eles podem fazer alguma coisa.

Os pais de Anna comprometem-se com o apoio político nas eleições do presidente Salvador Allende do Chile e viajam para trabalhar pela causa socialista do futuro mandatário. Logo acompanharão as eleições pela televisão e, da mesma forma, a queda e morte do presidente chileno. Por outro lado, a mãe de Anna deixa de trabalhar na revista Marie-Claire e dedica todo seu tempo para escrever um livro em favor das mulheres e do seu direito pelo aborto.
Anna e seu pai no começo do filme
Estas atitudes dos pais de Anna trazem como consequência a mudança radical na vida da família. Eles têm que sair da casa grande onde moram e vão viver em um apartamento pequeno, sem jardim. A ausência do jardim na casa é a visão que Anna tem o tempo todo e que ela sempre traz à tona, a falta deste espaço físico que é vital na sua vida. A falta dele para ela significa “pobreza”.

Os filhos perdem as comodidades que tinham o os próprios pais não têm mais tempo para compartilhar com seus filhos. Como já não podem mais pagar à babá Filomena, ela vai embora e passarão pela casa muitas mulheres exiliadas dos mais diversos lugares que trabalharão como babá apesar de não terem as caraterísticas ideais para esse trabalho. Isso implica em uma mudança radical nos hábitos alimentares da família. Por outro lado, o apartamento sempre está cheio de pessoas estranhas. Homens “barbudos” que falam, fumam e pensam no futuro socialista do mundo, onde a riqueza seja para todos. Mulheres que vão conversar com a mãe de Anna (inclusive aos domingos) para o livro e cada uma tem uma história mais trágica que outra.
Tanto Anna quanto os "barbudos" tentam se convencer mutuamente
Por todas as questões mencionadas anteriormente, Anna começa a se sentir perdida na sua própria casa. Por exemplo, o domingo que era o dia da família, já não é mais, e no lugar de estar com seus pais, muitas vezes ficam no apartamento sem a presença deles ou com gente desconhecida. Isto provoca em Anna uma atitude de rebeldia em relação aos seus pais e inicia a sua luta para recuperar seu mundo.

O filme é narrado, como já foi dito, sob a perspectiva de Anna, do jeito como ela vê os “barbudos”, os seus pais, seu irmão, a escola. É interessante destacar o posicionamento da câmera. Ela está muitas vezes ao nível dos olhos de Anna, justamente para reforçar a visão dela. Podemos mencionar duas cenas como exemplo deste recurso com a câmera. A primeira é quando Anna vê pela primeira vez os “barbudos”. Ela acorda no meio da noite, e ao sair de seu quarto, no lugar de seus pais, encontra a sala cheia de “barbudos”. O espectador vê a cena sob a posição física de Anna, com seu olhar inquieto, assustado, mas ao mesmo tempo tentando se manter firme no seu espaço. Outra cena é quando os pais levam Anna a uma manifestação pública na rua. No meio de tanta gente que grita e carregam cartazes, a menina só vê pernas, braços e gritos. Quando a manifestação é dispersa pelos gases da polícia, a câmera fica ao nível de Anna e só veem os gases, os gritos, os empurrões.

O filme é narrado de forma linear e o tempo passa rápido. As lutas políticas e ideológicas dos pais de Anna são contadas somente através das palavras deles e das reuniões que fazem no departamento. A história se centra mais na luta de Anna para recuperar seu mundo no confronto direto com seus pais que nas questões ideológica dos pais.

Pode-se resumir a luta de Anna d varias maneiras: ela acha que a mudança de uma casa grande para uma casa pequena, a falta de jardim, a pouca variedade do cardápio, a troca constante das babás; tudo isso significam que eles estão pobres. Então, ela começa a economizar energia elétrica: desliga todas as luzes que estão acesas sem necessidade e inclusive a água quente, obrigando as pessoas da casa a tomarem banho em água fria. Constantemente enfrenta seus pais exigindo a volta à “normalidade” e rejeitando as ideias deles. Nega-se a trocar de escola e ainda que obrigada por seus pais a não assistir mais às aulas de religião, ela faz questão de manter os ensinamentos que aprende na escola.

Percebe-se que os pais tentam ser coerentes com as suas ideias e, tentam mais ainda, transmitir essas ideias para seus filhos. Só que Anna não tem a maturidade para entender o que seus pais lhe propõem. Dilema que o irmão de Anna não tem, justamente pela diferença de idade.

Há algumas cenas marcantes nesta luta de Anna contra seus pais e o modo de vida que eles têm que vale a pena mencionar.
Anna vê seu mundo se desmoronar
Uma das mais interessantes e engraçadas é quando Anna acorda no meio da noite e encontra-se rodeada pelos “barbudos”. Ao se deparar com um grupo de gente “barbuda” literalmente, Anna tem medo, mas se controla e é capaz de desafiar-los. Os “barbudos” amigos dos pais de Anna tentam ser carinhosos e fazem questão de lhe explicar o problema da distribuição da riqueza. Anna escuta sem perder uma palavra para logo refutar todas as ideias deles defendendo o poder do dinheiro e da compra e venda. A cena é engraçada principalmente pela seriedade com que tanto os “barbudos” quanto Anna tentam se convencer mutuamente.

Porém, é necessário lembrar que A culpa é do Fidel! não é um filme político nem ideológico. Não estão em questionamento as ideias revolucionárias dos anos sessenta e setenta, assim como também não estão em discussão as ideias reacionárias de Anna. O filme é a história de Anna que tenta entender as mudanças que acontecem ao seu redor; tanto é assim, que há uma cena que mostra que ela entende perfeitamente algumas ideias de seus pais, justamente aquelas com as quais ela cresceu desde pequenina e que não sofreram nenhuma alteração com a chegada dos “barbudos”.

Anna fala para sua amiga de questões sexuas com naturalidade
A melhor cena que explica isto acontece um dia em que a melhor amiga de Anna vai passar a noite na nova casa dela. A amiga não se sente à vontade no novo ambiente e pior ainda com a comida que a “babá” lhes oferece. Porém, o ponto crítico advém quando as duas garotas estão no banho com a porta aberta e a amiga de Anna vê pelo espelho que o pai da sua amiga está no seu quarto se trocando de roupa. Ela nunca tinha visto um homem nu e não consegue dormir. Não obstante, para Anna ver seu pai nu é o mais natural e não entende porque a sua amiga fica tão assustada pelo fato de ter visto o pênis de seu pai. No dia seguinte, é muito engraçada a forma como a mãe da amiga de Anna reage na escola ao reclamar sobre o que tinha acontecido. Percebe-se uma mulher assustada que reprime a sua filha em contraste com a naturalidade com que Anna vê seu corpo e o dos seus pais, sem preconceitos, sem conflitos.

A culpa é do Fidel! é um excelente filme com diálogos bem pensados. A atuação de Nina Kervel é magnífica em um papel difícil que ela sabe levar do começo ao fim. A recriação do ambiente do começo dos anos setenta está bem feita e como amostra podemos mencionar certos detalhes como a presença de uma das músicas símbolo da era de Salvador Allende, quando os pais junto com os “barbudos” cantam “Venceremos” de Inti-Illimani ao celebrar o triunfo de Allende.

No final, Anna aprenderá muito sobre ela mesma e sobre a sua família e terá que decidir qual é o espaço que lhe pertence. É uma escolha que só ela pode fazer e ninguém mais. Não importa se seu pai fica bravo e chateado porque ela continua lendo as histórias em quadrinhos de Mickey Mouse que, segundo ele, é um “símbolo fascista do imperialismo”; o importante é que Anna tem que resolver a difícil tarefa de entender o mundo, que nem sempre é aquele com o qual sonhamos.

A culpa é do Fidel! é um magnífico drama com muita doses de humor em uma não sempre relação agradável entre pais que têm um ideal e filhos que não querem abrir mão de seu mundo. Vale à pena vê-lo e revê-lo.

Texto original de Patricio Miguel Trujillo Ortega.

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